terça-feira, outubro 26, 2010

Nosso projeto, minha história

Nosso projeto, minha história

SÃO PAULO - Os debates entre Dilma Rousseff e José Serra tendem a ser provas de resistência à paciência do espectador. Protegidos por regras que restringem ao máximo a participação de jornalistas e reduzem ao mínimo a exposição a questões e temas espinhosos, os candidatos travam duelos marcados por uma enorme chatice tecnocrática.
Quem, no entanto, consegue atravessar o mar de números, siglas e promessas cruzadas, até chegar às famigeradas "considerações finais" de cada um, pode notar que existe, sim, uma diferença fundamental entre a petista e o tucano: Dilma se despede como aquela que "representa" o "nosso projeto", referindo-se ao governo Lula, do qual é uma peça, ou a protagonista acidental; Serra, por sua vez, conclui oferecendo ao eleitor a "minha história de vida" -biografia, valores, trajetória político-administrativa.
No caso de Dilma, o "nós" ocupa o primeiro plano -este é o seu trunfo e o biombo atrás do qual ela procura esconder suas vulnerabilidades. No caso de Serra, o "eu", inflado, toma a frente da mensagem política, ou se confunde com ela, como quem dissesse "la garantia soy yo", o resto se ajeita depois.
Dito de outra forma: a candidatura de Dilma é maior que a própria candidata, enquanto o candidato Serra é maior que a sua candidatura. Mas não apenas isso.
Caso se confirme o favoritismo petista, ninguém sabe ao certo, nem a própria Dilma, o que será do "projeto" quando Lula sair de cena. A campanha de Dilma celebra o presente, muito mais do que aponta soluções para o futuro.
Mas, com Serra, poucas vezes o país assistiu a uma campanha tão marcadamente personalista, o que, por ironia, o aproxima da tradição populista, que os tucanos -"técnicos", "racionais"- tanto gostam de criticar. Serra, com sua egotrip, sempre acreditou que poderia chegar à Presidência sem assumir compromissos com ninguém; desobrigou assim os aliados de assumirem qualquer compromisso com ele.

Texto de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 20 de outubro de 2010.


Marcadores: , , , ,