quarta-feira, outubro 27, 2010

Minhas histórias com o delegado Tuma

O delegado Romeu Tuma foi uma das pessoas mais educadas que conheci em minha carreira profissional. Mas também um dos grandes enigmas. Sempre foi o bom policial, em contraposição ao delegado Fleury, o mau.

Meu primeiro contato com ele foi na greve dos jornalistas em 1979. Fui detido em um piquete, depois de ter assumido a responsabilidade por um episódio com um caminhão da Folha, perpetrado pelo meu colega Nunzio Brigulio. O Nunzio combinou com o motorista encontrar-se em um local ermo para transferir para seu carro os jornais que seriam distribuídos. No meio da operação, apareceu um vigilante noturno e tiveram que chamar a polícia e dar parte. O Nunzio foi com seu carro até o piquete do Estadão. Quando chegou o investigador Lalau, do DOPS, Nunzio pediu para algum colega, que ainda não tinha sido indiciado, se apresentar como responsável pelo carro. O «laranja» aqui se apresentou e foi levado detido, primeiro para a delegacia de Santo Amaro, depois para o DOPS.

Lá houve o interrogatório. Na sala ao lado, minha mulher (que eu não sabia que tinha ido para lá), acompanhada do delegado Romeu Tuma – que foi atencioso, educado, inclusive amparando-a quando teve uma taquicardia, depois do investigador que me interrogava dizer que eu poderia levar 12 anos de prisão nas costas (blefe evidente).

Nos dias seguintes, Tuma teve papel essencial, negociando com Dom Paulo e o senador Franco Montoro, para abafar a investigação.

O segundo encontro foi no início dos anos 80, quando explodiu o caso da corretora Tieppo. A imprensa inteira enaltecendo os feitos da polícia de Tuma, que havia localizado os arquivos de Tieppo. No Jornal da Tarde, montamos uma investigação paralela que comprovou que o delegado Tuma combinou com Tieppo a entrega apenas dos arquivos oficiais. Ficou de fora o caixa 2, que identificava as operações clandestinas de remessa de dólares.

O terceiro encontro foi quando, já com a seção Dinheiro Vivo da Folha, fui alvo de um inquérito de um procurador gaúcho, me acusando de estimular a sonegação – por conta de uma matéria onde ensinava como pagar menos imposto casando duas vezes.

Tive que depor, deixar impressões digitais. Do meu lado, o delegado Tuma gentilíssimo, pedindo dicas sobre financiamento no BNH.

O quarto encontro foi mais pesado. Me enredei em uma briga monumental com o consultor-geral da República, Saulo Ramos, por ter assinado um segundo decreto do Cruzado reinstituindo a jogada da liquidação extrajudicial de bancos quebrados – um sistema que permitia ao banco congelar as dívidas com o governo e corrigir os ativos.

Foi uma luta pesadíssima que custou meu emprego na Folha, depois de negociações conduzidas pessoalmente pelo próprio Saulo. Aliás, ganhei seis meses de sobrevida porque no dia em que provavelmente seria demitido conquistei o Prêmio Esso Categoria Nacional – justamente com a série sobre o Cruzado.

No auge da guerra, identifiquei sinais estranhos no meu telefone. Por recomendação de um amigo, procurei o corregedor da Polícia Civil de São Paulo – o juiz Walter Maierovitch – que constatou o grampo e o responsável – justamente o pessoal do delegado Tuma. Avisei a Folha sobre o dia em que a Polícia Civil faria a varredura para pegar os gravadores, mas o jornal não quis dar cobertura.

Saí da Folha mas permaneci crítico ao governo Sarney no programa que tinha na TV Gazeta. Uma noite ele foi lá dar uma entrevista ao Ferreira Neto e o cobrei pelo grampo. Negou e me disse que, quando levou Saulo Ramos ao aeroporto (Saulo passou um mês de «férias», para escapar da guerra que lhe movia) até lhe disse que não entendia sua ênfase em me processar, já que eu tinha elementos para derrubá-lo. Por coincidência, uma frase que minha mulher tinha dito a um amigo pelo telefone no período em que o aparelho esteve grampeado.

O quinto encontro foi pouco tempo depois.

Dois fatos me chamaram a atenção: Naji Nahas e o advogado Edevaldo Alves da Silva (da FMU) foram detidos em Cumbica carregando dólares com eles. Como na época ainda não havia cartão de crédito internacional, era uma prática recorrente levar dólares no bolso. O que ambos tinham em comum? Eram adversários de Saulo Ramos em ações pesadas na Justiça.

Por aqueles dias, convidado pela Alcoa, fui aos Estados Unidos com uma comitiva de jornalistas. Na volta, pensei em comprar um laptop mas me lembrei dos dois casos de adversários de Saulo. Pensei comigo mesmo: o delegado Tuma estará aguardando em Cumbica.

Dito e feito. Quando descíamos do avião, encontrei no final da escadaria o grande Fernando Vieira de Mello, da Jovem Pan. Perguntei o que fazia ali. Estava esperando seu filho Fernandinho, por coincidência no nosso avião – mas não na nossa comitiva.

Ele me disse que, inclusive, o delegado Tuma estava ali. E se virou para mostrar. Mas cadê o delegado? Estava atrás de uma coluna. Fui até lá e zombei dele: Doutor Tuma, vindo investigar in loco.

Ele me disse que havia denúncias de que um doleiro estaria no avião com uma mala com cinco milhões de dólares. Ironizei: será que esse doleiro não descobriu que existe o dólar cabo (um sistema de transferência de dólares por telex)?

Bom, toda nossa bagagem foi revistada. Ainda bem que não cedi à tentação de trazer o laptop.

Depois disso, cruzamos algumas vezes em eventos. Ele sempre educado, voz mansa, tipo agradável. Mas com muitas e muitas histórias que certamente jamais registrou.


Texto do blog do Luís Nassif.

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