Uma vitória do esquecimento
Uma vitória do esquecimento
BOILESEN. HENNING Boilesen. Guarde esse nome. Foi um dinamarquês. É uma das maiores atrações do festival de documentários É Tudo Verdade, que vai até dia 5 de abril, com sessões grátis no Cinesesc, no CCBB e no Eldorado.
"Cidadão Boilesen" é um documentário de Chaim Litewski, investigando a vida de um alto executivo da Ultragás, que era amigo de torturadores durante a ditadura e que chegou a assistir, por prazer, a sessões de suplício comandadas pelo delegado Fleury.
Boilesen foi assassinado pela guerrilha de Lamarca. Na mesma alameda Casa Branca onde o guerrilheiro seria morto um tempo depois. O filho de Boilesen é entrevistado no filme. Simplesmente não consegue acreditar que o pai fosse um monstro anticomunista, cúmplice de torturadores. Para ele, o assassinato ainda carece de explicação.
Boilesen era um tipo amigável, festeiro, nada racista: terminou tendo um caso extraconjugal, a que administrou decentemente. O documentário abusa um pouco, por falta de material concreto, das fotografias oficiais do empresário dinamarquês. Alto, sorridente, nariz de boxeador, smoking impecável, ei-lo presente em solenidades da Fiesp durante os anos de chumbo.
Muitas pessoas entrevistadas pelo documentário atestam a simpatia de Boilesen pela Operação Bandeirante -a Oban-, aparato semiclandestino dedicado a matar e torturar suspeitos de "comunismo" no auge da ditadura. Segundo alguns relatos do filme, Boilesen não se limitava a financiar a Oban. Gostava de presenciar as sessões de tortura -e o filme recorre, a meu ver erradamente, a recriações ficcionais daquele horror todo.
Fico sem saber o que pensar de Boilesen. Cláudio Elisabetski, produtor cultural, refere-se ao "lado obscuro" do empresário, que pode ser mais ou menos intenso em cada um de nós. Menos do que o caso individual de Henning Boilesen, o que há de mais interessante no documentário são os depoimentos gravados por Chaim Litewski.
Ninguém sente a menor sombra de culpa. Jarbas Passarinho, Carlos Alberto Brilhante Ustra e outros partícipes da Oban falam friamente da chamada "guerra contra o terrorismo". Lamente-se, de resto, a falta de um depoimento do ex-ministro Delfim Netto, evidentemente um adepto da ditadura, e hoje hábil conselheiro do governo Lula. Torturava-se à vontade nos tempos de Boilesen. Poucos empresários tiveram a coragem de recusar doações à Oban: Antonio Ermírio de Moraes, José Mindlin.
Resta, desta história sinistra, o principal. A saber, aquilo que os personagens principais do drama aprenderam do processo. É assustador verificar que, na esquerda e na direita, ninguém aprendeu nada. O ex-governador Paulo Egídio Martins faz de modo tosco o elogio de Boilesen: "Era um utopista". Bela utopia, a de torturar opositores do regime.
Do lado da esquerda, não existe quem considere a morte de Boilensen um cruel assassinato a sangue frio. Mesmo um cristão -Hélio Bicudo- manifesta alguma leniência diante do atentado. Havia em tudo uma razão política, argumentam os homens que mataram Boilesen. Importava sinalizar aos demais empresários que qualquer apoio à tortura não passaria impune.
Valeu a pena? Certamente não. A política, creio eu, funciona em termos de valores e de interesses. Os mais altos valores -exigindo, por exemplo, punição exemplar- confrontam-se com interesses que dizem respeito, por exemplo, ao desenvolvimento da democracia. Tudo depende, é claro, da quantidade de poder que se atribui aos diversos participantes do jogo.
Matar os torturadores seria mais importante do que se aliar aos "moderados" do regime? O que se ganha, e o que se perde, no processo? Talvez estejamos superestimando o papel dos torturadores em todo o jogo. O documentário sobre Boilesen é uma etapa num caminho de sensibilização histórica. Não interessa tanto, a meu ver, julgar o personagem. Interessa saber o que cada um de nós faria em seu lugar.
Ou no lugar de seus assassinos. Havia belos argumentos para matar aquele sádico. Mas o militante que o mata se transformou num criminoso também. Nenhum dos entrevistados, de direita ou de esquerda, parece arrependido do que fez. A Lei da Anistia, na prática, funcionou para todo mundo. Eis uma vitória, temporária, tenho certeza, do esquecimento.
Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo, de 1º de abril de 2009.
ERRATA: Diferentemente do publicado no artigo "Uma vitória do esquecimento", Carlos Lamarca não foi morto na alameda Casa Branca, em São Paulo. O guerrilheiro foi morto pelo Exército na localidade de Pintada (BA), em 1971. Quem foi morto na alameda Casa Branca, em 1969, foi o também guerrilheiro Carlos Marighella.
Correção de informação da Folha.
Marcadores: Boilesen, ditadura militar, DOI-CODI, Golpe de 1964, Marcelo Coelho, Oban
2 Comments:
Mais uma vez a covardia prevalece neste País. A morte de Boilensen foi um assassinato a saangue frio, sob a coberta de razões políticas. Se os subversivos podiam matar "por razões politicas" os que lutavam pela democracia podiam fazer o mesmo. "Informações" são vitais em tempo de guerra e se for necessario todos metodos são validos. Eu lutei na Italia, recem saido do CPOR nza área de informaões e sei o que é busca-las.
Meu nome é Luiz Paulino Bomfim, fui oficil de Infantaria na Italia e, oor ser fluente em ingles e francesfui para a área do Centro de Informações, o CIC Combat Information Center. Cum pri o meu dever para com o Brasil e voltando trabalhei anos até me aposentar. Tenho 87 anos, cancer ha onze a anos e uma neuropatia nos nervos periféricos que interfere com a facilfdade de minha locomoção. Se algum simpatizante dos subversivos quizer me matar podem vir. Já tentaram antes e podem tentar de novo, aproveitem agora estou mais fragilizado. Se eu mandar algum para o infeno morro satisfeito. Luiz Paulino Bomfim
87 anos, lutando com o câncer, e com uma neuropatia que dificulta a locomoção. Imagino que o senhor tenha filhos, talvez netos. Não seria melhor aproveitar o tempo com eles, em lugar de ficar alimentando algum rancor, fazendo provocações gratuitas?
Veja bem, se o senhor trocou tiros com guerrilheiros, se matou algum deles em algum enfrentamento, o senhor é um oficial do exército brasileiro que cumpriu com aquilo que pensava que era o seu dever.
Se o senhor torturou alguém em pau-de-arara, ou qualquer outro dispositivo de tortura, um homem, ou mulher, indefeso(a), talvez nu, e a sua mercê, isto já o torna um criminoso.
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