domingo, maio 03, 2009

Memórias de chumbo

Memórias de chumbo

"Cidadão Boilesen", exibido hoje no É Tudo Verdade, conta a história de empresário envolvido com a ditadura, que foi morto pela guerrilha



Corpo de Boilesen após ser morto por ataque de guerrilheiros de esquerda, no dia 15 de abril de 1971, nos Jardins, em São Paulo

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Até hoje sofro e sofrerei sempre as mortes que vivi, as mortes que eu morri, a morte que eu não morri e as mortes que eu cometi." O impactante relato é do ex-guerrilheiro Carlos Eugênio Paz, no documentário "Cidadão Boilesen", de Chaim Litewski, exibido hoje no festival É Tudo Verdade. Paz comandou a ação de extremistas de esquerda que resultou na morte do empresário dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Albert Boilesen, no dia 15 de abril de 1971, no bairro dos Jardins, em SP. O então presidente da Ultragás era acusado de financiar as ações e participar das sessões de tortura da Operação Bandeirante (Oban), criada pelo Exército para reprimir grupos esquerdistas que resistiam à ditadura militar (1964-1985). Bastante ponderada, a produção alcança a proeza de retratar esse personagem peculiar no contexto de tensão social e política da época. Expõe, com documentos e depoimentos, evidências de que a sociedade civil, por meio do empresariado, apoiou o regime e financiou a repressão.
Litewski, 54, conta que o caso chamou sua atenção desde a época em que ocorreu. Recolheu obituários, notícias de jornal e deu início à longa pesquisa que resultou nesse filme. "Era um período truculento, eu tinha simpatia pela resistência contra os militares. Mas daí a apoiar a luta armada era um passo de gigante. A grande repercussão do assassinato na mídia, a comemoração de esquerdistas pela morte dele e aspectos de sua personalidade fizeram com que me interessasse pelo caso", diz o diretor.
Boilesen é mostrado como um sujeito atlético, bem-humorado, apaixonado por futebol e pelo Brasil e que nutria ódio aos comunistas. Segundo informações recolhidas, teria sido o principal mediador dos contatos entre militares e empresários que deram dinheiro e apoio logístico a perseguições.
Além disso, sinais e declarações indicam que Boilesen apreciava acompanhar interrogatórios. "Era um sádico", diz o historiador Jacob Gorender.
Ainda de acordo com as fontes investigadas, ele mandara importar um aparelho que aplicava choques elétricos em escala crescente, conhecido como "pianola", usado na tortura.

"Como a gente"
Do lado de seus defensores, o coronel Erasmo Dias declara: "Ele pensava como a gente", e dá detalhes dos contatos entre Boilesen e os militares. Conta que tinham em comum o fato de preocuparem-se com a ordem na sociedade e com o combate àqueles que tomavam como responsáveis pelos distúrbios. "Seu assassinato foi algo cruel e sanguinário", diz. O filho do empresário também testemunha, negando o envolvimento do pai com a Operação Bandeirante.
À Folha Carlos Eugênio Paz, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional, justificou a execução de Boilesen. "Cada tempo tem suas leis. Havia uma guerra e ele era um combatente que escolheu um lado. Ou seja, sabia que estava sujeito a uma sanção." Hoje, o professor de música, anistiado, diz que, se a conjuntura ditatorial daquele tempo se repetisse, apoiaria o mesmo tipo de engajamento contra o governo. Também o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é ouvido. E diz: "Ninguém de boa formação vai ficar feliz porque uma pessoa foi assassinada. Mas, naquele caso, era um a menos. Um do outro lado". Litewski, que vive em Nova York, diz almejar, com o filme, incentivar a discussão sobre o apoio civil à ditadura.


CIDADÃO BOILESEN
Direção: Chaim Litewski


Texto da Folha de São Paulo, de 30 de março de 2009.

Marcadores: , , , , ,