domingo, maio 24, 2009

Último autor sobrevivente da Declaração dos Direitos Humanos, Stéphane Hessel afirma que única saída é criação de Estado palestino

"Não há pequenas soluções temporárias", diz diplomata


Último autor sobrevivente da Declaração dos Direitos Humanos, Stéphane Hessel afirma que única saída é criação de Estado palestino

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

Enquanto americanos e israelenses se preparam para discutir novas políticas para o Oriente Médio, Stéphane Hessel, um dinâmico diplomata de 92 anos, multiplica conferências e entrevistas, sempre ativo na defesa da criação de um Estado palestino.
Ele era um jovem diplomata em 1948, quando as Nações Unidas proclamaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Hoje, ele é o último sobrevivente dos redatores da declaração.
Filho do romancista judeu Franz Hessel, ele acha que a criação do Estado palestino é a melhor solução para os dois povos e para a própria segurança de Israel. Mas não se ilude: "Esse novo governo israelense está menos inclinado a uma verdadeira negociação de paz que qualquer outro".

FOLHA - O sr. tentou visitar Gaza depois da guerra de Israel contra o Hamas. Por que as autoridades israelenses negaram autorização a um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos?
STÉPHANE HESSEL
- Em 2008, visitei Gaza duas vezes e queria ver os estragos que a última ofensiva causou e como a população vive desde então. Só se entra em Gaza com uma autorização das autoridades israelenses. Como a autorização não foi dada, adiei a viagem.
Compreendo as razões dessas restrições: o que se passou em Gaza não honra os israelenses. A recusa a que pessoas venham prestar socorro à população de Gaza pode ser explicada. Ela não se justifica mas se explica pelo desejo de que não se divulgue muito o que se passou.
É evidente que a maneira como foi conduzida a ofensiva é totalmente contrária a todas as convenções internacionais sobre a utilização de certas armas, sobre a destruição de monumentos, sobre o ataque contra civis. Mesmo que os israelenses possam se justificar dizendo que era pela segurança de Israel, para lutar contra terroristas do Hamas, isso não convence a comunidade internacional. A impressão que temos é que eles se entregaram a um projeto de destruição do Hamas que não era compatível com as regras internacionais.

FOLHA - Como o senhor qualifica o Hamas? Binyamin Netanyahu vai aceitar uma negociação política com o grupo?
HESSEL
- O Hamas é um conjunto no qual existem vários elementos. Há uma origem islâmica, mas ele tenta obter a maioria no interior da organização palestina. É um partido que tem o islã como inspiração, é apoiado pela Irmandade Muçulmana do Egito, recebe ajuda da Síria, pois é lá que se encontram seus principais dirigentes.
Mas não é mais terrorista do que os outros movimentos que defendem uma ação de libertação da Palestina. O fato que obteve a maioria nas eleições legislativas palestinas de três anos atrás o torna um parceiro incontornável.
Se quisermos chegar a um debate sobre o futuro da Palestina não se pode negociar apenas com o Fatah. É necessário que todos estejam prontos a discutir com o Fatah e com o Hamas, se possível com um governo que resultará de novas eleições em que se apresentarão dirigentes do Hamas, do Fatah e de outros grupos. É preciso construir uma organização que possa falar em nome de todos os palestinos.

FOLHA - O sr. crê que Hillary Clinton e Barack Obama vão iniciar negociações com o Hamas?
HESSEL
- Não sei. Penso que seria muito grave se eles ficassem imóveis na posição que consiste em dizer que não se pode negociar com o Hamas porque decretaram que ele é um movimento terrorista. Os movimentos de libertação são muitas vezes levados, por razões boas ou más, a fazer atos que se pode considerar como atos de terror.
Não se pode confundir isso com movimentos como a Al Qaeda, que usa o terror para manifestar o ódio contra o Ocidente.

FOLHA - Qual é a solução para o conflito no Oriente Médio?
HESSEL
- Não há pequenas soluções intermediárias temporárias. Foi o que se tentou em Oslo (em 1993). A negociação tomou um caminho de pequenas etapas, primeiro Gaza e Jericó, veremos mais tarde o resto. Isso não deu os resultados esperados, e a Segunda Intifada veio varrer essas propostas de Oslo.
Hoje, todos os que pensam esse problema com seriedade dizem que só há uma solução:
dois Estados. É preciso que exista um Estado Palestino que disponha de soberania e independência, isto é, ter contato com o resto do mundo, não viver com fronteiras fechadas, poder haver comunicação entre Gaza e a Cisjordânia, dispor de uma capital que só pode ser Jerusalém Oriental e encontrar uma solução para o retorno dos numerosos refugiados.

FOLHA - Quem não quer o Estado Palestino?
HESSEL
- Em primeiro lugar os israelenses. Eles não têm nenhuma confiança, dizem: "Os palestinos são nossos inimigos, querem nos jogar no mar e dar a eles um Estado é extremamente perigoso para nós, por que aceitaríamos o que a ONU e o mundo querem nos impor?".

FOLHA - Falta vontade política da parte de Israel ?
HESSEL
- Já não havia vontade política no tempo de Ehud Olmert e de Tzipi Livni e agora ela desapareceu mais ainda com Netanyahu, cujo chanceler [Avigdor Liberman] é um islamofóbico. Esse governo está menos inclinado a uma verdadeira negociação de paz que qualquer outro.
Sempre fui um defensor da necessidade de os judeus terem seu Estado. Estava em Nova York, nas Nações Unidas, em 1947 e 1948 quando meus colegas e eu trabalhávamos para dar vida ao Estado de Israel. Ficamos felizes que esse Estado pudesse ser criado para os judeus que tinham sofrido tanto não somente sob o nazismo mas durante séculos, depois de terem sido obrigados ao exílio. Não sou um inimigo de Israel, ao contrário, sou um amigo e por isso penso ser de seu interesse e de todos os que em Israel enxergam longe chegar a uma negociação positiva, construtiva com a criação de um Estado Palestino.

Entrevista publicada na Folha de São Paulo, de 17 de maio de 2009.

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