domingo, janeiro 25, 2009

Mais um diálogo de surdos

Diálogo de surdos mostrou que grupo islâmico não pode mais ser ignorado

DO ENVIADO A TEL AVIV

Não havia uma cadeira para o representante do Hamas na conferência internacional sediada ontem pelo Egito, muito menos no jantar oferecido pelo governo de Israel aos principais líderes europeus, em Jerusalém. Mesmo sem estar presente ou ser citado, porém, o grupo fundamentalista foi, na prática, parceiro do acordo de trégua que os eventos celebraram.
No diálogo de surdos que os líderes israelenses travaram com o Hamas nas últimas semanas, seja por meio de mísseis ou da intermediação, egípcia, o grupo fundamentalista pode contar com uma vitória, sob os escombros do preço pago pela população de Gaza: o reconhecimento de que é impossível ignorá-lo como interlocutor na gerência (enquanto uma solução não é possível) do conflito.
"Ninguém faz um cessar-fogo com um fantasma", diz o psiquiatra e ativista político Eyad Sarraj, uma das personalidades mais respeitadas de Gaza. Ele ironiza a recusa de Israel em admitir que a trégua foi resultado de um entendimento com o grupo fundamentalista. "O Hamas foi reconhecido, ainda que indiretamente, e Israel tem que aceitar esse fato."
Para o psiquiatra, que nas eleições de 2006, vencidas pelo Hamas, concorreu como uma plataforma pacifista, Israel foi pressionado pelo governo americano a suspender os bombardeios. Para ele, a pressão partiu tanto da atual administração como da iminente posse do novo presidente, na terça-feira. "O fator Obama pesou, além da pressão causada pela crise humanitária em Gaza", diz Sarraj.
O cientista político Avraham Sela, especialista em assuntos palestinos da Universidade de Jerusalém e autor de um livro sobre o Hamas, também acha que o movimento extremista poderá aproveitar o fato de ter sobrevivido aos ataques e entrar numa fase de legitimação.
Ele diz que é difícil avaliar se os objetivos de Israel foram alcançados, e que isso só será possível a médio prazo, segundo a vontade e a capacidade do Hamas de se rearmar e disparar foguetes. Já do outro lado, como é típico de uma guerra assimétrica entre um Exército e um grupo guerrilheiro, a história é outra.
"Basta que eles não levantem a bandeira branca para poder cantar vitória", diz Sela. "De qualquer maneira eles já ganharam, pois o mundo entende hoje que o Hamas é o único endereço em Gaza. Se até essa ofensiva tanto Israel, como europeus e americanos, se recusavam a reconhecê-lo, agora ficou claro que o Hamas passará por uma fase de legitimação."
Para Sela, qualquer acordo terá que ser implementado com a aprovação do Hamas, "seja por meio do Egito ou de agências internacionais".
Entre os que ganharam, além do Hamas, está o Egito.
"O Egito é um dos vencedores desta guerra, pois conseguiu voltar ao centro da arena política", diz o coronel da reserva Shaul Arieli, que já foi comandante do Exército israelense em Gaza. "O primeiro estágio, que era o cessar-fogo, foi alcançado. Mas os próximos serão mais complicados, sobretudo promover a reconciliação política entre os palestinos."

Texto da Folha de São Paulo, de 19 de janeiro de 2009.

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