Leituras Atrasadas: Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano
MENDOZA, Plínio, Apuleyo. Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano / Plínio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner, Álvaro Vargas Llosa. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil : Instituto Liberal, 1997.
Com mais de dez anos de atraso enfrentei o panfletão do filho de Mário Vargas Llosa e associados, com prefácio do falecido Roberto Campos ("Bob Fields"), e apresentação do consagrado escritor peruano. Acredito que este título sui-generis seja uma peça de humor filo-americano, pois nos Estados Unidos da América encontramos séries de livros chamadas "for dummies" (algo como para retardados, ou para atrasados), ou "the complete idiot guide to" (o guia do completo [perfeito?] idiota para...) A propósito, é justo Mário Vargas Llosa, na apresentação quem afirma que o livro é um panfleto.
É qual a propaganda que o panfleto divulga? As bênçãos do liberalismo, ora!
O livro é não muito mais que isso. Uma peça de louvor ao livre-comércio e à livre-iniciativa. Para isso ele tenta fazer troça das reflexões acontecidas no subcontinente, nos últimos 50 anos, disparando contra os estudos feitos pela CEPAL, a Comissão para o Desenvolvimento da América Latina, organismo da ONU, a partir da década de 1940, disparando contra a Teoria da Dependência, formulada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto na década de 1960, disparando contra a Revolução Cubana e a Revolução Sandinista, disparando contra as medidas estatizantes tomadas por diversos governos da região.
Embora sejam corretos nas citações factuais, o fato do livro ser um panfleto dificulta a aceitação de suas teses. Os autores conhecem mais a América de língua espanhola que a de língua portuguesa. Talvez aí o passar despercebido pelo livro que sem a ditadura de Getúlio Vargas, e as suas medidas estatizantes não haveria desenvolvimento industrial no Brasil, ou ele teria sido muito mais lento.
Os autores gostam de citar o suposto sucesso do novo sistema de previdência do Chile, não citando que ele foi imposto a ferro e fogo pela ditadura do general Pinochet. Também, como o livro foi escrito há dez anos atrás, pode-se desculpar os autores por não saberem que o sistema previdenciário privado chileno está pagando as primeiras pensões agora no início do século XXI, e que estas pensões são menores que as pagas pela previdência estatal chilena, e, em muitos casos, insuficientes para o sustento dos pensionistas. Também não citam que parte da atual prosperidade chilena é possível em parte devido ao regime militar ter "exportado" parte da população, primeiro parte da oposição como exilada política, depois muitos dos cidadãos que saíram do país quando o país enfrentou uma brutal recessão no final dos anos 1970.
Eles também disfarçam mal a sua simpatia pelos Estados Unidos, e desculpam as diversas intervenções realizadas pelo Grande Irmão do Norte na América Latina ao longo do século XX, seja diretamente, como Haiti, ou República Dominicana; seja indiretamente através de suas agências de inteligência e propaganda com a colaboração de parte das oligarquias locais, como no Brasil, ou no próprio Chile.
Quando eu pensasse em questionar o que os autores pensam sobre o liberalismo que houve na América Latina no início do século XX, quando esta se tornou uma grande fornecedora de produtos primários para a Europa e os Estados Unidos (pense no café do Brasil, no trigo e nos derivados bovinos da Argentina, nos minérios da Bolívia, ou do Chile), eles colocam que desde o final do século XIX e in´cio do XX, no subcontinente, a autêntica era do "laissez-faire" era, na verdade, uma época de caudilhismo e patrimonialismo. Curiosamente, muitos dos que eles dizem hoje como patrimonialistas, gostavam de se ver como liberais naquela época. Assim fica parecendo que os autores professam um tipo de "liberalismo ideal", ou 'liberalismo platônico". Ele é um ideal, que quando aplicado a algumas condições históricas determinadas, como o início do século XX, deixa de ser liberalismo para se transformar em outra coisa. É uma contraparte interessante para o comunista-marxista idealista, aquele para o qual os regimes do "socialismo real existente", inaugurado pela União Soviética a partir de 1917 nunca foi comunismo, e, portanto, os abusos ocorridos nos países do socialismo existente não podem ser debitados na conta do comunismo ideal de Marx.
Também é digno de se notar que os autores, enquanto professem fé na livre iniciativa e no livre comércio, não incentivem muito a livre movimentação de pessoas também. O comércio e a iniciativa são bons. Mas se você acha que onde você está não há oportunidades, eles não lhe incentivam a ir buscar oportunidades em outro lugar. Talvez para não associar que, até o momento, as nações que mais prosperaram com o livre comércio, e se tornaram as mais desenvolvidas economicamente, sejam as mesmas que tentam de todas as maneiras impedir a entrada de migrantes indesejados, mas como a demanda existe, se formam quadrilhas que fomentam o tráfico internacional de seres humanos.
O livro não tem boas qualidades? Sim, tem, mas como ele é um panfleto, e não uma obra comprometida com a busca de alguma verdade, ela quer transmitir a sua verdade já consagrada, as qualidades da obra podem ser encontradas em outros estudos de caráter liberal mais sérias.
Marcadores: leituras, liberalismo, Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, política
2 Comments:
Inegavelmente existe o perfeito idiota latino americano refém de um pensamento politicamente correto (que muitas vezes é super importante, mas outras vezes é hiper equivocado), no sentido de que toda a riqueza é resultado de exploração do homem pelo homem. É que para um país atingir um certo desenvolvimento econômico e social é necessário seguir uma linguagem de desenvolvimento que deram certo em outros países, mas o perfeito idiota latino americano torce o nariz, não gosta, não quer, porque acha que tudo isso é golpe do império...
Hummm... Não sei se entendi bem o que quiseste dizer.
Acho que devias ser mais objetivo...
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