segunda-feira, novembro 19, 2007

IGUALDADE DIANTE DA LEI

O Rio Grande do Sul era um estado antipático. Tinha mania de ser diferente. Nós, os gaúchos, achávamo-nos mais cultos, mais politizados, mais éticos, mais machos e mais honestos do que os demais brasileiros. Era insuportável. Gerava um estigma. Parecia um bairrismo exacerbado ou um complexo de inferioridade transformado em pretensa superioridade. Os outros ficavam com tanta raiva que pegavam do nosso pé. Por causa disso, viramos piada do Casseta & Planeta, o humor mais rastaqüera do país. Sejamos claros, não dava para continuar assim. Tivemos a época do PMDB ético, com Pedro Simon no papel de vestal indignada, mas sem jamais romper com o PMDB nacional ou tomar-lhe o controle. Tivemos o tempo do PT representante do bem supremo contra o mal absoluto. Disso só restou uma vaga memória do Orçamento Participativo, jamais adotado pelo governo federal e que ajudou a enterrar a candidatura de Ségolène Royal na França. O Rio Grande do Sul era a ovelha negra da Nação. Éramos um estado ressentido e melancólico.
Não bastasse tudo isso, a cada eleição votávamos contra o candidato ganhador à Presidência da República. Quando FHC vencia, ficamos com Lulla. Quando Lulla finalmente venceu, desistimos dele. Somos excelentes estrategistas. Visto que os governos nunca resolveram essa tendência a estar na contramão da história, a sociedade civil decidiu tomar providências radicais. Em pouco tempo, em função de atitudes ousadas de algumas pessoas, entramos no eixo. Estamos cada vez mais parecidos com o restante do Brasil. Finalmente, embora com muito atraso, estamos nos tornando iguais aos outros perante a lei e, especialmente, quanto ao descumprimento das leis. Nesse sentido, temos muito a agradecer ao Macalão e agora aos larápios do Detran. Acabou-se o mito da honestidade gaúcha. Já podemos dizer com orgulho que roubamos como todo mundo.
É importante, em termos de identidade nacional, acertar o passo com o restante do Brasil. Afinal, o culto à diferença indicava uma incapacidade de adaptação à cultura dominante, aos nosso valores mais arraigados e disseminados e, fundamentalmente, uma vontade de separação. Jogávamos futebol como os uruguaios e os argentinos, dançávamos como norte-americanos e nos comportávamos como puritanos ingleses ou alemães. A falta de escândalos em nossos organismos públicos chegava a ser indecente, quase uma mediocridade. Além disso, prejudicava amplamente a nossa mídia, privada de bons fatos para publicar, ficando sempre a reboque das patifarias das grandes capitais. Os gatunos do Detran deviam ser condecorados por desonra ao mérito. Depois da Revolução Farroupilha, nossa derrota tão comemorada, o Rio Grande do Sul permanecia meio de lado na Federação. Era preciso reintegrá-lo na marra. Está feito.
A lista dos mais vendidos da Feira do Livro também comprovou a nossa tendência atual a estar em sintonia com o Brasil. Não queremos ser menos medíocres do que ninguém. Pega mal. Podemos respirar aliviados: nunca mais seremos chamados de mais cultos, politizados, machos, éticos e honestos do país. Somos, enfim, iguais a todo mundo. Pagamos e recebemos propinas com a mesma desenvoltura. Cansamos de bancar o Joãozinho do passo certo. De uma vez por todas, acertamos o passo. Aprendemos a passar no caixa. Nosso valores são os mesmos de nossos compatriotas: 10%.

Texto de Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo (para assinantes), de 13 de novembro de 2007.

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