terça-feira, março 27, 2007

Agência Carta Maior: Falta de Capacidade Técnica e Política Dificulta Proteção aos Direitos Humanos no País






RELATÓRIO DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Falta de capacidade política e técnica agrava violações no país

Estudo apresenta mapeamento das violações e políticas públicas do setor e conclui que incapacidade política e técnica de promover a cooperação entre Estado e sociedade civil na proteção aos direitos humanos gera déficit de democracia no país.

Bia Barbosa – Carta Maior

Data: 17/03/2007

SÃO PAULO – Lançado nesta sexta-feira (16) em São Paulo, o Terceiro Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil, elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo) e a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, traz uma constatação nada feliz sobre o país: a falta de vontade e de capacidade política e técnica de nossos governos para desenvolver políticas no setor têm contribuído para um déficit de democracia no Brasil.

De acordo com o estudo, que apresenta um extenso mapeamento das situações de violação e das políticas públicas desenvolvidas no campo dos direitos humanos em todos os estados, há, por um lado, uma incapacidade política de promover o diálogo e a cooperação entre organizações governamentais e da sociedade civil na definição de prioridades, objetivos e estratégias integradas para proteção e promoção dos direitos humanos. Por outro lado, há uma incapacidade técnica de processar e empregar, na formulação e implementação de políticas, a enorme quantidade de dados e informações sobre direitos humanos produzidos e distribuídos por essas organizações desde a transição para a democracia.

“O Brasil tem hoje mais programas e ações para garantir o direito à vida, liberdade e segurança das pessoas, o acesso à justiça, à liberdade de expressão, manifestação e participação política, os direitos das crianças e adolescentes, mulheres, negros e indígenas. Mas ainda é incapaz de garantir estes direitos e liberdades”, afirma a pesquisa.

Secretarias, conselhos e comissões são criados, mas não têm estrutura para funcionar. Programas são desenvolvidos sem diagnóstico adequado dos problemas, sem monitoramento e sem avaliação de progressos e resultados. Falta apoio político-institucional nas diferentes esferas de governo, no Legislativo e no Judiciário, o que impede disseminação de boas práticas. Os recursos empregados também são insuficientes e, quando há cortes, estes programas são os primeiros a serem suspensos. O resultado, na avaliação dos pesquisadores do NEV, é menos transparência, responsabilização legal, participação social e respeito aos direitos humanos.

Mais do que isso, o resultado prático é continuação e agravamento, em algumas áreas, das violações de direitos humanos no Brasil. Entre 2002 e 2005 – anos abordados no estudo – cerca de 7 mil pessoas foram mortas por policiais somente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2004, das 48.374 pessoas que morreram vítimas de agressões (27,11/100 mil habitantes) no país, 18.599 eram jovens na faixa etária de 15 a 24 anos (51,68/100 mil habitantes). Os jovens, que constituíam à época 20,09% da população do país, representaram 38,45% das vítimas fatais de agressão, incluindo homicídios, execuções e chacinas. O trabalho infantil, que atingia 6,6% da população dos 10 a 14 anos em 2000 passou a atingir 10,3% em 2004.

“Nos últimos anos, houve uma fragilização dos programas de direitos humanos, não por um governo ou outro, mas compartilhada pelas diferentes esferas do Estado, pelo setor privado e pela sociedade civil”, explica Paulo de Mesquita Neto, coordenador do relatório. “Falta uma visão do valor dos direitos humanos para a promoção da cidadania. Ainda hoje, a garantia dos direitos humanos não é vista como um fator de proteção e promoção da democracia e do desenvolvimento social”, acredita.

Políticas de Estado
O estudo lançado nesta sexta tem como um de seus objetivos focalizar o que está e o que não está sendo feito para resolver as violações de direitos humanos apontadas nos dois relatórios anteriores, lançados em 1999 e 2002. Um dos gargalos no combate às violações se encontra na identificação e punição dos responsáveis pelas agressões.

De acordo com o NEV, o sistema federal e os sistemas estaduais de segurança, justiça e administração penitenciária não estão preparados e organizados para investigar, processar e julgar violações de direitos humanos e aplicar sanções aos responsáveis. O quadro seria de um mau funcionamento generalizado das instituições do estado de direito, de uma estrutura ineficiente e descoordenada das polícias e de um controle frágil de suas ações.

Na região nordeste, por exemplo, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Extermínio, concluído em 2004, apontou a existência de grupos de extermínio com participação de policiais e apoio de autoridades públicas na maioria dos estados. No Rio Grande do Norte, durante a gestão do corregedor-geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, Oswaldo Monte Filho, a Corregedoria solicitou ao Comando Geral da Polícia Militar a abertura de 140 processos, a partir de denúncias de infrações disciplinares e crimes cometidos por 163 policiais. Nenhum processo foi instaurado.

Entre as denúncias estão casos de tortura, espancamento, homicídio, maus tratos, formação de quadrilha, grupos de extermínios, agressão física, tráfico de drogas, roubo e extorsão. Oswaldo Monte Filho, que havia assumido a Corregedoria em 13 de maio de 2004, foi exonerado em dezembro de 2005, em virtude de conflitos com o Secretário da Segurança Pública e o comandante-geral da Polícia Militar.

Para organizações de defesa dos direitos humanos, é preciso que as políticas públicas do setor sejam, cada vez mais, tratadas como políticas de Estado, e não de governo. “Foi um grande avanço termos colocado os direitos humanos na pauta política brasileira, mas muito ainda precisa avançar. As tarefas de pacificação da sociedade brasileira, requisito para a uma democracia sólida, ainda estão em curso”, acredita Sérgio Adorno, coordenador científico do NEV.

Para Paulo Mesquita, o estudo reforça a necessidade de se deixar de lado a tendência, por parte das organizações de direitos humanos, de denúncia da ação do Estado para se investir num diálogo com o Estado para a construção de políticas públicas. “Ou seja, não ver mais o Estado somente como violador mas como central no desenvolvimento de políticas promotoras dos direitos humanos”, explica. “O problema da violação dos direitos humanos é estrutural e não temporário do Brasil. Por isso, tem que ser enfrentado com políticas mais aprofundadas do que as que temos agora. Senão, não superaremos nossas heranças históricas”, afirma.

Presente na cerimônia de lançamento do relatório, o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, se comprometeu a estudar os números apresentados no estudo e a analisar quais políticas são promissoras e quais se revelaram ineficientes e precisam ser reformuladas.

“Temos resquícios muito fortes da violência no Brasil. Estamos saindo de um ciclo, mas a convivência entre o que surge e o que permanece ainda gera choques. Enfrentá-los não pode ser só uma ação dos governos. Só eles serão insuficientes. Há função do Judiciário, do Legislativo e da sociedade civil a ser cumprida”, disse Vanucchi. “É um momento de planejar os passos para que o Brasil comece a sinalizar que indicadores gravíssimos tenham baixa ano a ano”, concluiu.

http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13740&boletim_id=252&componente_id=4772

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