segunda-feira, julho 26, 2010

O estigma de ser uma dona de casa

O estigma de ser uma dona de casa

Katrin Bennhold
Estocolmo (Suécia)

Quando o jornalista sueco Peter Letmark tentou recentemente encontrar uma dona de casa para uma série sobre os pais do século 21 para o jornal “Dagens Nyheter”, ele fracassou.

“As donas de casa”, ele explicou, “são uma espécie quase extinta na Suécia. E as poucas que ainda existem realmente não ousam vir a público com isso”.

Na vizinha Noruega, a Associação das Donas de Casa mudou seu nome para Associação de Mulheres e Família à medida que seu número de membros despencou de 60 mil para 5 mil. “A referência a dona de casa era embaraçosa demais”, disse a economista feminista Charlotte Koren, do Instituto Norueguês de Pesquisa Social, uma ex-associada e mãe de dois.

Quando não é mais socialmente aceitável ser uma dona de casa, teria o feminismo errado seu alvo?

Nos anos 50, esperava-se que as mulheres permanecessem em casa e aquelas que queriam trabalhar eram frequentemente estigmatizadas. Hoje é praticamente o inverso, colocando as mulheres umas contra as outras segundo as divisões de convicção, classe econômica, necessidade e, frequentemente, etnia.

Por todo o mundo desenvolvido, as mulheres que permanecem em casa são cada vez mais vistas como antiquadas e um fardo econômico para a sociedade. Se seus maridos são ricos, elas frequentemente são repreendidas por serem preguiçosas; se são imigrantes, por impedirem as crianças de aprender a língua e os modos de seu país anfitrião.

Suas tarefas diárias de limpar, cozinhar ou criar seus filhos sempre foram ignoradas pela medição da atividade econômica nacional. (Se um homem se casa com sua empregada e para de pagar pelo seu trabalho, o PIB cai. Se uma mulher para de amamentar e compra alimentos prontos para seu bebê, o PIB sobe.) No debate sobre as mulheres alcançando os homens na educação e no mercado de trabalho em termos de crescente produtividade e crescimento econômico, as mães que permanecem em casa são cada vez menos valorizadas. Isso apesar do fato de, da Noruega aos Estados Unidos, os economistas colocarem o valor de seu trabalho não remunerado acima do valor do setor manufatureiro.

Nos países em que as mães ainda lutam para combinar carreira com família e deixam o trabalho menos por convicção e mais por necessidade, elas costumam ser duplamente punidas. Na Alemanha, a maior economia na Europa, a maioria das escolas ainda encerra as aulas antes do almoço, e creches em tempo integral para crianças com menos de 3 anos são escassas. Mas nesta geração de mães jovens, é mais provável encontrar mulheres dizendo que estão em licença maternidade prolongada ou entre empregos do que dizerem que são donas de casa.

Apenas entre os ricos é visto como um status de classe quando a mãe altamente educada leva as crianças para aula de chinês ou de violino.

“É difícil encontrar um equilíbrio entre a não romanceação e não estigmatização da dona de casa”, disse Nancy Folbre, uma professora de economia da Universidade de Massachusetts, em Amherst. “Apesar de muitas mulheres ainda permanecerem em casa, uma mudança cultural as colocou na defensiva.”

Tendo em mente que as mulheres atualmente trabalham tanto porque querem quanto porque a maioria das famílias precisa de duas rendas, ela disse, “é assim que as normas sociais funcionam: elas colocam pressão para as pessoas se adequarem”.

Na Suécia, o fim da dona de casa é impressionante. Os pais cumprem licença paternidade, os jardins de infância são altamente subsidiados e o modelo universal de arrimo de família é profundamente entrincheirado – do local de trabalho à cultura popular.

Antes o mercado chave para anunciantes no horário diurno da televisão, donas de casa felizes promovendo produtos de limpeza agora raramente aparecem nas propagandas de TV.

Elas são um “segmento inexistente”, disse Jonas Andersson, consultor de marca da The Brand Union, uma empresa de design de marca sueca. De vez em quando propagandas internacionais precisam ser dubladas para remover as menções ofensivas a “dona de casa”, ele disse. Andersson e seus colegas se concentram no que ele chama de segmento de “mulher com pouco tempo”.

“De chocolate a carros, você quer ter como alvo as mães que trabalham fora”, ele disse.

Os políticos nórdicos há muito se concentram nas mães que trabalham fora, dando a elas subsídios para asilos de idosos, creches e, mais recentemente, incentivos financeiros para que dividam a licença maternidade com os homens.

No geral, essas políticas aumentaram o crescimento econômico, aumentaram a arrecadação tributária e deram às mulheres que querem trabalhar mais independência financeira, mais benefícios sociais, mais realização pessoal –resumindo, o que muitas chamariam de mais liberdade.

Mas a engenharia social é uma ferramenta cega e alguns temem que a liberdade das mães que trabalham fora ocorreu à custa de transformar em pária uma minoria que deseja fazer as coisas de modo diferente.

Jorun Lindell, uma mãe de três e esposa de um empreendedor sueco, tentou ser dona de casa e não conseguiu fazer com que desse certo. “Ridicularizada”, ela disse, por sua convicção de que seus filhos deveriam ter sua mãe em casa, ela descobriu que não poderia colocá-los em uma creche pública algumas poucas horas por dia ou semana por ser reservada para famílias em que ambos os pais trabalham, estão à procura de trabalho ou estudando.

Ela acabou se matriculando em uma universidade sem qualquer interesse no curso, “desperdiçando recursos para obter algo pelo qual nossos impostos já pagam”, ela disse.

Não há forma fácil de consertar as consequências não intencionais de uma política bem intencionada.

Algumas medidas, como o auxílio que a Suécia e a Noruega pagam para os pais que ficam em casa e que optam por não utilizar o sistema de creches, frequentemente apenas reforçam o estigma associado às donas de casa: preocupações de que essa ajuda, popular entre as famílias operárias e imigrantes, atrapalha a mobilidade social ao manter os filhos dos pobres e estrangeiros de fora das creches socializadoras a transformou em controversa.

Uma forma mais barata e possivelmente mais eficaz poderia ser finalmente reconhecer formalmente a contribuição das donas de casa à economia, disse Hélène Périvier, uma economista do Institut d’Études Politiques, em Paris.

“Não se trata de ser remunerada”, disse Périvier, notando que o valor econômico que as donas de casa criam permanece dentro de seu lar, “mas sim de ser valorizada”.

Se há um momento para a inclusão do trabalho doméstico não remunerado nos números do PIB é agora, ela disse. As mães que trabalham fora também ganham com isso: elas ainda realizam grande parte do trabalho não remunerado em seus lares – mesmo na Suécia.



Tradução: George El Khouri Andolfato


Texto do International Herald Tribune, publicado no UOL.

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