quinta-feira, janeiro 07, 2010

De zona de guerra a País das Maravilhas - Observando o Vietnã atual

De zona de guerra a País das Maravilhas

Hanói

Estive na capital vietnamita durante o Natal e fiquei intrigado com todos os garotos locais vestidos de Papai Noel, e como parecia que não havia uma loja ou restaurante que não tocasse "Jingle Bells" ou "Santa Claus Is Coming to Town" (Papai Noel está chegando à cidade).
Um amigo vietnamita me disse que, em um país onde há apenas uma minoria cristã, todo o negócio do Natal decolou apenas na última década, juntamente com o Valentine's Day (Dia dos Namorados) e outras ocasiões que oferecem aos novos ricos uma oportunidade de consumir.
Sim, o Ano Novo Lunar, conhecido como Tet, ainda é a grande comemoração, mas os marqueteiros ocidentais propagaram o estilo de vida e os feriados americanos com um tremendo sucesso. Em Danang, na costa central, onde os primeiros fuzileiros-navais americanos aportaram em 1965, China Beach hoje é salpicada de grandes projetos imobiliários, incluindo novos resorts Hyatt e Crowne Plaza.
Talvez seja por isso que os EUA lutaram a guerra aqui -não para vencer, mas para ajudar os comunistas vitoriosos a ver a loucura de seus métodos. Como o general Vo Nguyen Giap, comandante das forças comunistas, disse duas décadas depois do fim da guerra, "socialismo é qualquer coisa que traga felicidade ao povo".
É claro que foi preciso quase morrer de fome, o desastre da economia com planejamento central e a miséria da coletivização para levar o general a admitir essa visão.
Em 1995 os governantes do Vietnã haviam despertado para a ideia de que seu tipo de socialismo funcionava bem durante a guerra, mas era um péssimo método para se dirigir um país.
Então, assim como os chineses, eles decidiram transformar a ideologia marxista em um capitalismo de partido único que hoje povoa as estradas do país com uma massa crescente de humanidade empresarial em busca do próximo dólar.
Você olha para o Vietnã hoje e balança a cabeça, admirado. Não são apenas aqueles jovens Papais Noéis asiáticos. Raspe a terra e há um milhão de ossos de mortos na guerra. Esvazie as estradas e verá trilhas de prisioneiros sendo arrastados para "campos de reeducação". Menos de 30 anos atrás, o hoje maravilhoso Metropole Hotel em Hanói oferecia esta cena ao jornalista Stanley Karnow: "A pintura descascava do teto, os equipamentos do banheiro vazavam e ratos corriam pelo saguão".
Em uma época em que o Vietnã é muito citado enquanto os EUA prosseguem a guerra no Afeganistão, o que se deveria concluir dessas cenas? A primeira conclusão só pode ser modesta: nunca se sabe. Nenhum comentarista em 1975 teria previsto um Vietnã onde o capitalismo prospera e os EUA são, de modo geral, admirados.
A segunda é que os países aprendem suas próprias lições. O comunismo morreu aqui não através da força das armas americanas, mas das calamidades de sua vitória.
A terceira é que a guerra deixa sua marca, mesmo que esteja enterrada. A guerra contra os EUA, para o Vietnã, foi apenas um episódio difícil em uma luta milenar pela independência. Hoje, como na China, a paz e a estabilidade são valorizadas exatamente porque foram raras. A exaustão da guerra -fadiga da rebelião- é real.
Acredito que, para o Ocidente, esse compromisso asiático com a estabilidade é um benefício que supera os sistemas políticos não-livres, ou melhor, sistemas que libertam as pessoas para ganhar dinheiro, mas não para escolher seus governantes. Qualquer outra atitude, diante da história, seria imodesta.
Talvez estas não sejam lições sem esperança para Afeganistão e Iraque, se tomarmos 2050 como parâmetro, por exemplo.
Mas, olhando para esses Papais Noéis, eu me preocupei sobre o modo como o dinheiro, dinheiro, dinheiro parece superar tudo hoje em dia. Espero que o Vietnã não tenha lutado tanto por sua independência só para liquidar sua cultura. Seria uma derrota para todos.

Texto de Roger Cohen, do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 4 de janeiro de 2010.


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