Conflitos e repressão
Conflitos e repressão
RIO DE JANEIRO - Parece piada, mas não é. Na crise aberta no governo por causa da Lei da Anistia, os bombeiros de plantão descobriram um modo de aliviar as tensões. Apelaram para a semântica: onde se lê "repressão política" leia-se "conflitos políticos".
Vamos com calma. No período da ditadura (1964-1985), houve as duas coisas. Houve conflitos, mas relativamente poucos, pontuais, quando as forças do regime atuavam militarmente contra os bolsões de resistência que contestavam a ordem em vigor, uma ordem totalitária e acima das leis e dos direitos humanos.
Agora, repressão houve -e foi muito pior, porque durou muito e atingiu a sociedade como um todo. Enquanto os conflitos se limitavam à eterna luta dos azuis e vermelhos, os prós e os contra a ditadura, a repressão foi uma cortina de chumbo que isolou a nação de seus direitos básicos, como a de ter opinião e poder expressá-la.
Dou exemplos: no Araguaia e em outros lugares, houve conflito, bandidos contra mocinhos, conforme a posição de cada um. Mas o desaparecimento do deputado Rubem Paiva, o assassinato de Vladimir Herzog e de toda a cúpula do Partido Comunista não foram episódios militares, mas ações coordenadas da repressão mais feroz de nossa história.
Para efeito histórico, no período do regime totalitário houve as duas coisas: os conflitos e a repressão. Do ponto de vista militar, a guerrilha do Araguaia poderia ser considerada um conflito entre forças antagônicas, embora não proporcionais. Mas o arsenal de regulamentos, portarias, avisos e prisões que o regime despejou contra a sociedade foi uma repressão generalizada que afetou toda uma geração, inclusive a dos neutros.
Repito: os conflitos foram pontuais e isolados. A repressão castrou por 21 anos as esperanças de todos.
Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 14 de janeiro de 2010. Em tempos de “controvérsia” sobre violações de direitos humanos, “conflitos” e “repressão” durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).
Marcadores: Brasil, Carlos Heitor Cony, ditadura militar, Golpe de 1964
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