segunda-feira, dezembro 07, 2009

Honduras: Pleito serve para golpe de Estado ser legitimado

Pleito serve para golpe de Estado ser legitimado

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Considerando padrões mínimos, a eleição de ontem em Honduras não foi livre nem limpa, por ao menos três motivos que antecedem o pleito e que independem de se constatar ou não casos de fraude propriamente dita na votação:
1) O virtual estado de exceção a que o país está submetido, com militarização das maiores cidades, repressão a apoiadores do presidente deposto Manuel Zelaya e uso de métodos coercitivos, diretos ou indiretos, para promover a ida às urnas;
2) O alijamento do processo político de parte da população que apoia Zelaya e sua consequente incapacidade de fiscalizar as instituições que impulsionam o processo eleitoral;
3) A ausência de regras equânimes de publicidade, com a censura ou o fechamento dos meios de comunicação que se opuseram à deposição do presidente eleito.
Hoje, na ausência de observadores internacionais neutros, vai começar uma discussão continental interminável sobre se a eleição pode ser ou não considerada democrática.
A esta altura, é provável que os fatores mencionados acima acabem minimizados, a fim de que se conclua o processo acelerado de legitimação do projeto dos golpistas, que sempre foi usar a eleição para fechar a página do curto período em que o poder no país ameaçou escapar das mãos do pequeno grupo que o controla há décadas.
Talvez menos por convicção que pela fraqueza diante da ala conservadora da opinião pública e do Congresso americanos, a Casa Branca provocou essa situação ao recuar da resolução da OEA (Organização dos Estados Americanos) que havia endossado e que pedia a restituição "incondicional" de Zelaya.
A princípio, para evitar a ratificação do golpe, Óscar Árias foi chamado a negociar um acordo que contemplasse os dois lados. Mas logo ficou claro que o presidente costa-riquenho não era um mediador imparcial, o que estimulou os golpistas a fincar pé contra a saída negociada.
Árias vem repetindo que as eleições que marcaram as transições democráticas ao fim do ciclo de ditaduras militares na América Latina também foram sob regimes de força -argumento duplamente falacioso.
O importante naqueles casos não foram somente as eleições, como se convocadas pelo arbítrio de ditadores cansados, mas o fato de elas terem sido parte de acordos políticos que garantiram, entre outras coisas, a equanimidade e a limpeza do processo eleitoral.
E não havia naquele período a Carta Democrática, instrumento que permitiu a unânime condenação inicial dos países da OEA ao golpe. O documento é o mesmo que impede que a ditadura de partido único de Cuba se reincorpore à entidade. Ele distingue as relações intrarregionais, no seu aspecto de rejeição ao golpismo, das relações que os mesmos integrantes da OEA têm com as tantas autocracias que há no mundo.
A vitória do fato consumado em Honduras mina a Carta em seu patamar mais básico, o veto à deposição não democrática de autoridades eleitas, o que no futuro deverá ser lamentado.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 30 de novembro de 2009.

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