segunda-feira, março 09, 2009

Começa julgamento de genocida cambojano

Camboja julga chefe de campo da morte

Kaing Guek Eav é o primeiro dirigente do regime do Khmer Vermelho, nos anos 70, levado a tribunal

DA ASSOCIATED PRESS

O chefe de uma prisão na qual cerca de 16 mil homens, mulheres e crianças foram torturados e mortos apareceu ontem diante do tribunal do Camboja que julga acusados de genocídio. É o primeiro julgamento de envolvidos no regime do Khmer Vermelho, grupo maoísta que tomou o poder em 1975 e foi derrubado por uma invasão vietnamita, em 1979.
Kaing Guek Eav, o Duch, é acusado de crimes contra a humanidade e é o primeiro de cinco réus que devem ser submetidos a julgamentos, longamente adiados, pelo tribunal especial, que tem a assistência da ONU.
O regime do Khmer -que no tabuleiro da Guerra Fria tinha o apoio dos EUA e da China, mas não da União Soviética-, esvaziou as cidades para "reeducar" no trabalho rural população escolarizada. Converteu o Camboja num cemitério coletivo no qual pelo menos 1,7 milhão de pessoas morreram de fome, doenças e executadas.
Duch, 66, que chefiou a prisão S-21 do Khmer Vermelho, na capital, Phnom Penh, é o único dos réus a ter expressado remorso. "Duch quer pedir o perdão das vítimas e também do povo cambojano", disse seu advogado. A audiência de ontem fixou o cronograma do julgamento, que deverá começar no final de março.
"Não sou apenas eu quem quer justiça hoje. O povo cambojano todo vem esperando por isso há 30 anos", disse Vann Nath, um dos menos de 20 sobreviventes da S-21, que assistiu à audiência com mais 500 pessoas. Vann, que sobreviveu por pintar e esculpir retratos do líder do Khmer, Pol Pot (1925-1998), descreveu Duch como "um homem cruel".
"Esta audiência representa a concretização de esforços para criar um tribunal justo e independente", disse o juiz Nil Nonn. Mas o tribunal já atraiu críticas. Seus procedimentos, muito lentos, vêm sofrendo ingerência política do governo e têm sido acusados de parcialidade e escassez de verbas.
Alguns observadores acreditam que o premiê Hun Sen -ele próprio ex-oficial do Khmer Vermelho, depois dissidente- esteja controlando o âmbito de ação do tribunal.
Os outros quatro que enfrentarão julgamento são Khieu Samphan, o ex-chefe de Estado do grupo; Ieng Sary, seu ministro das Relações Exteriores; sua mulher Ieng Thirigh, que foi ministra de Assuntos Sociais, e Nuon Chea, o ideólogo-chefe do movimento.

Texto da Folha de São Paulo, de 18 de fevereiro de 2009.

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