Marcelo Coelho: Somos todos judeus ... ? !
É MUITO EXALTADO e revelador o artigo de Daniel Finkelstein, colunista do "Times" londrino, que o suplemento "Mais!" reproduziu neste domingo. Um trecho:
"A origem do Estado de Israel não está na religião ou no nacionalismo:
está na experiência da opressão e do assassinato, no medo da aniquilação total e na conclusão amarga de que não foi possível confiar na opinião mundial para proteger judeus.
Israel foi ideia de um jornalista.
Theodor Herzl era o correspondente em Paris da "Neue Freie Press" quando testemunhou manifestações antissemitas violentas contra o capitão Alfred Dreyfus, judeu (...).
Essa experiência levou Herzl a perder sua fé na assimilação. Ele se convenceu de que os judeus só poderiam viver em segurança se tivessem seu próprio país. Muitos judeus resistiram a sua conclusão durante muitos anos. (...) Mas a experiência de judeus de todo o mundo na primeira metade do século 20 (...) acabou confirmando a visão de Herzl.
Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria ideia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem tutelados da opinião mundial".
Não será uma loucura todo esse raciocínio de Finkelstein? A odiosa perseguição antissemita ao capitão Dreyfus terminou em vitória contra o preconceito. A Segunda Guerra Mundial terminou em vitória contra Hitler. A insegurança dos judeus, no mundo ocidental, diminuiu a quase zero no Pós-Guerra.
A criação de um Estado judeu no Oriente Médio tem sido o único fator a reverter esse processo.
A opinião pública mundial sempre esteve disposta a defender os judeus. Não mais, quando para reagir ao fundamentalismo cego do Hamas e do Hizbollah se matam as irmãs árabes de Anne Frank.
É justamente nesse momento que o articulista do "Times" se sente liberado para dizer que a opinião pública mundial não deve tutelar os judeus. "Opinião pública mundial" termina virando sinônimo, na verdade, do bom senso e da moralidade básica de qualquer ser humano.
Nada entendo de táticas de guerra, mas imagino que o Exército israelense, capaz de brilhantes operações como as de Entebbe e da Guerra dos Seis Dias, poderia conceber meios melhores para debelar os assassinos do Hamas do que mísseis que matam crianças e civis.
Israel dissemina o terror numa população que nem sequer tem condições de fugir. O terror, a fome e a miséria criarão novos militantes que nada têm a perder.
Quantas fotos, ao lado daquelas das crianças mortas, não mostram também crianças protestando e jogando pedras contra os judeus? O ódio é incutido desde cedo; semeia-se com bombas de última geração a insegurança de Israel nos próximos 20 anos.
Certamente, atos de violência e bombardeios localizados nem sempre são ineficazes. Mísseis caíram sobre o palácio do ditador líbio Muammar Gadafi e isso ajudou a torná-lo minimamente razoável.
Não sei se o mesmo acontecerá depois de Israel destruir tudo o que existe em Gaza. Mas sei que cada criança morta ali é também um atestado da morte moral do Estado judeu.
Quiseram construí-lo para segurança dos judeus? A interpretação é pobre, mas vá lá: o fato é que essa segurança pouco existe. Existe mais nas democracias ocidentais, de que o sionismo desconfiava tanto.
Quiseram construí-lo, numa interpretação melhor, em nome da moralidade e da inocência de um povo injustamente atacado e perseguido? Seria melhor cumprir então o que está atrás dessa ideia, e ser antes vítima que perseguidor, antes inocente que assassino.
Para mim, a sorte do judaísmo simboliza a sorte da humanidade toda, na exata medida em que não há Estado a defendê-la. O lar dos judeus, o verdadeiro lar, é um mundo em que todos sejam iguais. É este o lar que quero para mim, que me sinto judeu.
Pois são judeus todos aqueles submetidos à perseguição, ao preconceito e ao racismo. Judia é aquela criança carregada pelos pais, morta pelos mísseis de Israel.
Na Folha de São Paulo, de 14 de janeiro de 2009.
Marcadores: Israel, massacre em Gaza
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