terça-feira, julho 15, 2008

Prende e arrebenta

Prenda, arrebente, proíba

OS VALORES liberais, na vida civil e na economia, não são populares no Brasil. Pesquisas sobre as convicções da sociedade costumam revelar apreço por facetas do conservadorismo: leis duras, repressão, estatismo. Construção histórica formada no embate contra um Estado absolutista, o indivíduo -conceito que reserva, para cada pessoa, uma esfera de autonomia, responsabilidade e capacidade- faz menos sucesso aqui.
Não surpreende, portanto, o apoio massacrante que têm recebido as prisões de um banqueiro, um especulador e um ex-prefeito. A detenção preventiva de um casal acusado de assassinar uma criança, em São Paulo, tornou-se um espetáculo de Coliseu romano.
São com freqüência recebidos a pedradas retóricas os que afirmam algo razoável: em todos esses casos, os acusados não representam ameaça física para a sociedade e sua capacidade de prejudicar a coleta de provas é nula ou independe de estarem soltos. A prisão antes de uma sentença deveria ser exceção, e não regra como está se tornando.
Defender o devido processo legal nesses casos é reforçar garantias de todos contra arbitrariedades de agentes públicos. Na ânsia de vingar "500 anos de impunidade", campeia a desinformação. Confundem-se prisão temporária, algemas e execração com punição; habeas corpus com absolvição. Perde-se o foco, que é a lentidão absurda do Judiciário, tanto mais vagaroso quanto mais rico é o acusado.
O pior é que se acumulam atitudes de truculência, paternalismo e tutela do Estado e seus representantes, com respaldo popular. Incapaz de aplicar uma lei de trânsito já rígida em relação ao consumo de álcool, o governo chancelou a "tolerância zero" vinda do Congresso. Condutores são coagidos a produzir provas contra si e ameaçados de cadeia com dois copos de chope.
Há gente no governo e no Legislativo disposta a restringir, e até proibir, propaganda de alimentos com teor de gordura, açúcar e sal acima de níveis considerados saudáveis, como se o público fosse incapaz de decidir sobre a sua dieta.
A cúpula da Justiça também entrou no jogo, investida pelo espírito da "moralização" e aplaudida. Instituiu por sua conta um tribunal de bons costumes políticos para julgar a "infidelidade partidária". Ajudou a produzir um monstrengo que inviabiliza a livre expressão na internet em época de eleição.
Tanto ativismo judiciário inspira outros estragos na instância inferior, com juízes condenando veículos da imprensa que entrevistam candidatos. Tiras e procuradores tentam intimidar, inclusive com ameaça de prisão, jornalistas que cumprem seu papel de informar.
As autoridades apertam o torniquete, a platéia vibra, mas não se vê a advertência de que alimentar o Leviatã faz mal à democracia.

Texto de Vinicius Mota, na Folha de São Paulo, de 13 de julho de 2008. Apenas um porém: sem o Leviatã, isto é, o Estado, não existe democracia.

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