Agência Carta Maior: O que podemos aprender de Renan Calheiros

IDÉIAS
O que podemos aprender com Renan Calheiros
A presença dominante do nome “Renan Calheiros”, e dos eventos que orbitam em torno dele, no debate político do país nas últimas semanas é, por si só, um eloqüente sinal de alerta. Aponta para um pântano imobilizador de onde podem sair novas deformidades.
Data: 13/09/2007Em seu livro “Às portas da revolução” (Boitempo Editorial),  Slavoj Zizek tomou o exemplo da eleição de Berlusconi na Itália para sustentar o  papel fracassado da moralidade na política. Ele escreveu: “Sua vitória é uma  lição deprimente sobre o papel da moralidade na política: o supremo desfecho da  grande catarse moral-política – a campanha anticorrupção das 'mãos limpas' que,  uma década atrás, arruinou a democracia cristã, e com ela a polarização  ideológica entre democratas cristãos e comunistas que dominou a política  italiana no pós-guerra – é Berlusconi no poder”.
No Brasil, nos últimos  anos, muitas vozes preconizam a necessidade de uma operação “mãos limpas” aqui.  Mas qual foi mesmo o resultado dessa operação na Itália: a eleição de  Berlusconi, um grande empresário das comunicações que se apresentou na campanha  eleitoral como um “não-político”, alguém que estaria afastado de toda “sujeira  da política”.
Como se sabe, o governo de Berlusconi foi atravessado por  denúncias e acusações de corrupção. Aqui no Brasil, em passado recente, também  tivemos um candidato que se apresentou com um discurso similar. O caçador de  marajás e de corruptos não terminou seu mandato. Em um passado um pouco mais  distante, tivemos a experiência ultra-moralista da UDN, que tampouco resultou em  avanço para o país.
Isso quer dizer, então, que o negócio é o  “locupletem-se todos”? Obviamente que não. E o emprego do advérbio aqui não é um  exercício retórico, mas uma conseqüência lógica. Um dos principais elementos que  está na base do fracasso dos discursos e experimentos moralistas citados acima é  que eles jamais foram expressões de uma concepção de algo que mereça ser chamado  de espírito público. Sempre foram, ao contrário, manifestações de moralidade  seletiva – e, portanto, hipócrita – que, necessariamente, precisam esconder seu  real objetivo: o poder político.
O território da política e a  democracia
Há dois alertas importantes na afirmação de Zizek, segundo a  qual a vitória de Berlusconi é uma lição deprimente sobre o papel da moralidade  na política. O primeiro consiste em nos lembrar que o território da política é,  fundamentalmente, o território do poder, e que cruzadas moralistas na política  costumam ser capitaneadas por moralistas de resultados. Essa é uma das razões  singelas que explicam seus retumbantes fracassos, do ponto de vista do avanço da  democracia. O segundo interroga diretamente a tradição da esquerda que, nas  últimas décadas, flerta com a possibilidade de uma terceira via.
No  Brasil, o PT, especialmente a partir do governo FHC, adotou de um modo bastante  enfático o discurso da ética na política, como se esta fosse a principal  divergência programática com o projeto do PSDB e PFL, então em curso. A prática  parlamentar petista foi dominada pela lógica das denúncias e dos pedidos de CPI  que, anos depois, voltaram-se como um bumerangue na sua direção. Ao final das  contas, o candidato de Fernando Henrique acabou derrotado não pelo tema da  corrupção (até por que seu governo conseguiu construir uma blindagem  relativamente eficiente neste tema), mas pela incapacidade de seu projeto  político-econômico responder aos problemas que afligiam a população. Mas não se  trata, aqui, de fazer um balanço dos anos FHC. Importa sim destacar que a  escolha do PT pela centralidade do discurso da ética na política acabou custando  um alto preço para o partido.
E esse preço não se reduz ao tema do  mensalão. O preço maior pode ter sido mesmo o programático. Voltemos a Zizek,  que escreve: “o sonho que a esquerda tem de uma terceira via é igual ao de que o  pacto com o diabo possa dar certo: tudo bem, nada de revolução, aceitamos o  capitalismo como regra do jogo, mas pelo menos poderemos manter algumas das  conquistas do Estado do bem-estar social e construir uma sociedade tolerante em  relação às minorias sexuais, religiosas e étnicas”.
Mas há uma  perspectiva muito mais sombria no horizonte, acrescenta o filósofo esloveno: “um  mundo no qual o domínio ilimitado do capital será suplementado não pela  tolerância esquerdista-liberal, mas por uma típica mistura pós-política de  espetáculo de pura publicidade e preocupações da Moral Majority (lembremos que o  Vaticano deu apoio tácito a Berlusconi)”.
Mocinhos, bandidos e um  pântano
O caso Renan Calheiros parece ilustrar bem esse cenário sombrio  delineado por Zizek. Ele é sombrio em vários sentidos. O senador alagoano é um  típico representante do que há de pior na política brasileira. Entre os que  queriam sua cassação, há outros tantos da mesma estirpe. O problema, portanto,  não é discutir quem são os mocinhos e quem são os bandidos.
O grave,  nesta história toda, é figuras como Renan Calheiros e seus adversários de  ocasião (aliados de ontem) dominarem o debate político no país. O grave é  figuras como eles serem peças-chave em um projeto de governabilidade. O grave é  ver uma mídia indigente intelectualmente tratar o tema segundo a lógica do  espetáculo e da moralidade seletiva. As disputas políticas que estão, de fato,  em jogo ficam assim obscurecidas por uma névoa de mistificação e  meias-verdades.
E quais são as disputas política que estão, de fato, em  jogo? Uma delas é a agenda eternamente adiada da necessidade de democratização  do Estado. O enfrentamento do patrimonialismo, da apropriação privada da esfera  pública e da transformação da política em um balcão de mercadorias (e de emendas  parlamentares). Nada disso começou no atual governo, mas este não está  conseguindo fazer este enfrentamento.
Neste cenário, somos convidados a  assumir um lado nestas disputas intra-patrimonialistas. E, se não o fazemos,  somos empurrados para um destes lados. A presença dominante do nome “Renan  Calheiros”, e dos eventos que orbitam em torno dele, no debate político do país  nas últimas semanas é, por si só, um eloqüente sinal de alerta. Aponta para um  pântano imobilizador de onde podem sair novas deformidades.
Um dos  problemas que deveria merecer nossa atenção, então, não é propriamente quem  livrou Calheiros da cassação, mas sim como é possível que figuras como ele sigam  tendo poder na República, seja qual for o governo. Como é possível que se  apresente como baluarte da ética essa mistura grotesca de pseudo-moralismo,  dissimulação política e espetáculo que anima muitos daqueles que querem cortar o  pescoço dos Calheiros da vida hoje para resgatá-los logo ali  adiante.
Denunciar os termos desta equação e expor sua verdadeira  natureza talvez seja um caminho para sair do pântano. Caso contrário, poderemos  estar alimentando o surgimento de novos “Berlusconis”, aprendendo uma nova e  deprimente lição e assistindo a repetição de espetáculos melancólicos.
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Marcadores: moralismo de resultados, politica, política, Renan, Renan Calheiros, Senado



2 Comments:
Bom o texto do Weissheimer e concordo com ele.
Estou mesmerizado...
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