Observatório da Imprensa: Imprensa ignora o futuro
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SUSTENTABILIDADE EM PAUTA
A imprensa ignora o futuro
Luciano Martins Costa
Ao anunciar, na quarta-feira (29/11), para um grupo de jornalistas convidados, uma mudança radical na missão do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, o presidente da entidade, Ricardo Young, fez um comentário ácido sobre a pauta que vem sendo martelada pela imprensa brasileira desde a campanha pelo segundo turno das eleições: "O debate sobre índices de crescimento é pura estupidez". Recém-chegado de uma viagem à China, Young explicou que os 9% de crescimento anual da economia chinesa, incensada pela mídia, correspondem a um desastre de proporções igualmente consideráveis em termos de sustentabilidade.
Young e o presidente do conselho do Ethos, Oded Grajew, estavam anunciando que o instituto passará a se dedicar à agenda do desenvolvimento sustentável, um passo além do conceito de responsabilidade social que fez sua história de oito anos. À frente das cerca de 1.400 empresas associadas, eles pretendem levar a sociedade, as empresas e os governos a discutir o tema um pouco adiante do que aquilo que vem sendo proposto pela mídia.
A questão que aqui nos interessa é: nossa imprensa estará preparada para abrigar tal debate? A resposta é negativa. Com exceção de meia dúzia de repórteres, alguns recentemente convertidos ao tema da sustentabilidade, e de um punhado de outros jornalistas egressos do movimento ambientalista, em geral atuando por seus próprios meios, quase não se constata na grande imprensa a presença de especialistas ou de profissionais minimamente informados sobre os conceitos e dados a respeito dessa questão.
Editores minimamente informados ou interessados na questão que define 39% dos grandes eventos internacionais são praticamente uma ficção. A maioria deles trata os especialistas em sustentabilidade como mão-de-obra ociosa - além de estudar o tema, acompanhar a enorme sucessão de fatos e mudanças que se relacionam à complexa agenda da sustentabilidade, como a criação da norma ISO 26000, esses repórteres são obrigados muitas vezes a dobrar a jornada, na carência de recursos humanos que caracteriza nossas redações.
Nível rasteiro
Uma pesquisa realizada pelo próprio Instituto Ethos e divulgada em junho passado revela essa realidade. A imprensa não tem uma pauta para o futuro da economia, para a necessidade urgente de um novo sistema de produção e comércio, para a crise estrutural global, para a grave ameaça que paira sobre o sistema democrático.
A celebrização do triunfo do capitalismo, presente em dez de cada dez editoriais e nos artigos dos mais prestigiados colaboradores da imprensa, não deixa espaço para qualquer reflexão mais profunda sobre a urgência de mudanças no sistema que exclui bilhões de indivíduos de qualquer espécie de bem-estar, produzindo uma bomba-relógio social, e que provoca tal devastação ambiental que acaba por colocar sob ameaça a própria civilização.
Para nossa imprensa, isso ainda parece tema de ecochatos ou de esquerdistas privados de bandeiras após a queda do muro de Berlim. Acontecem em São Paulo, regularmente, pelo menos dois eventos relevantes por semana, dos quais brotariam manchetes instigantes que ajudariam a aumentar a consciência da sociedade para um assunto que lhe interessa diretamente. Jornalistas da chamada grande imprensa não são vistos por ali.
Na última semana de novembro, por exemplo, a Fundação Itaú Social promoveu o terceiro seminário internacional sobre Avaliação Econômica de Projetos Sociais. Os dados ali apresentados recomendam jogar no lixo quase todo o noticiário e a opinião que tem sido levada aos leitores e telespectadores sobre políticas sociais por nossa imprensa. Estudos do Banco Mundial e de outras instituições justificam a indignação de Ricardo Young sobre o nível rasteiro dos debates midiáticos a respeito de crescimento econômico.
Olhar para trás
Não será por pura ignorância que o noticiário circula viciosamente em torno dos mesmos economistas, dos mesmos empresários e dirigentes de entidades voltados para o umbigo de sua própria atividade, como se interesses específicos devessem se sobrepor à questão crucial da própria sobrevivência da sociedade como a conhecemos. É mais provável que a imprensa se revele assim, incapaz de se alinhar às vanguardas, ou mesmo de reconhecer as vanguardas, por ser vocacionada irremediavelmente ao conservadorismo.
O problema para os interesses específicos da imprensa como atividade econômica, ou um dos problemas mais visíveis, é que o cidadão comum parece se qualificar mais rapidamente para a compreensão dos temas que realmente dizem respeito a seu futuro e ao futuro do mundo, conforme tem sido demonstrado pelas pesquisas do Iser, instituto dedicado ao estudo dos movimentos sociais, dirigido pela pesquisadora Samyra Crespo.
Ao se negar um papel de liderança no debate sobre a sustentabilidade, ou ao rejeitar liminarmente uma melhor qualificação de sua pauta, a imprensa corre o risco de ficar irremediavelmente para trás. Ignora o futuro, vive a comentar as marolas da nau humana, como o vigia do farol de popa.
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