quarta-feira, novembro 01, 2006

Veja, da Tentativa de Emparedamento ao Cinismo

Depois de várias semanas dando uma mãozinha para a oposição, a capa da revista Veja desta semana, 1º de novembro de 2006, vem com um subtítulo instigante: “Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e fazer o Brasil funcionar”. O que significaria isto para a revista?

O editorial (“Carta do Leitor”) começa com uma charge do Santiago, do Jornal do Comércio aqui de Porto Alegre. A charge mostra um leitor chegando a uma banca de revistas e pedindo “revista de sacanagem”. O jornaleiro pergunta “qual delas?”. O leitor informa “A Veja, aquela que só me sacaneia!”. E continua dizendo que a piada é, bem, uma piada, e que o tom crítico de Veja com o autal governo também existiu nos governos Collor e FHC. Tá bom.

E o editorial conclui dizendo que “Veja fiscaliza o poder (...) a partir de um ideário sólido(...). Dele constam a defesa da democracia, da livre-iniciativa, da liberdade de expressão e opinião.”

Aí, olhando as reportagens de capa, vamos ver o que dizem. Primeiro, com base mais nos resultados do primeiro turno, do que o resultado do segundo, Veja fala de dois brasis, e da necessidade de uní-los. E quais as opiniões que a revista vai buscar? “É preciso conjugar crescimento econômico com distribuição de riqueza” em citação do professor José Arthur Gianotti, numa frase contra a qual ninguém deveria se pronunciar. Mas convém lembrar que o professor Gianotti é dileto amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e, senão tucano de carteirinha, simpatizante forte da sigla. A revista continua, a partir da citação “Para tanto, o país precisa trabalhar em duas direções. Primeiro tem que derrubar as barreiras contra o capitalismo, o único regime conhecido capaz de gerar riqueza – coisa que até a China percebeu. Em segundo lugar, como o capitalismo também produz desigualdade, o país precisa empenhar-se em distribuir a riqueza de modo a reduzir a desigualdade ao máximo.” E aí a revista continua citando o professor Gianotti: “O problema é que a eleição está mostrando que a maioria da população quer crescer em capitalismo. A maioria está querendo crescer à sombra do Estado, na base do jeitinho”. De novo: tá bom! E o grande arremate: “Estamos divididos entre os 'modernizadores', que estão dispostos a pagar um preço pelo capitalismo, e os 'conservadores pintados de vermelho', que querem estradas perfeitas mas sem pedágio, educação de bom nível mas sem controle de qualidade, e por aí vai”.

Na segunda reportagem, a revista fala de famílias brasileiras “que desejam preparar seus filhos para um mundo mais complexo e dar a eles uma educação livre de ranços ideológicos.” E continua “É preciso convencer (...) os brasileiros de que a construção de uma nação justa e moderna passa necessariamente pelo enxugamento do Estado, pelo investimento pesado em educação de base e pela constatação de que não existe governo capaz de salvar a pátria, pelo simples fato de que ele não produz riqueza.” Depois de falar do bolsa-família, a revista continua suas posições “Um país que se recusa a aderir à economia globalizada está condenado à pobreza e à insignificância. Infelizmente, o Brasil trilha este caminho, em razão de uma diplomacia marcada pelo anti-americanismo e por um certo terceiro-mundismo que atende apenas à satisfação de quistos esquerdistas entranhados no atual governo e no Itamaraty.” e cita o professor Roberto Romano, opositor de primeira hora do atual governo: “Para este governo, em nome da ideologia partidária, é possível até contrariar os interesses do país”. Então a revista condena as posições do atual governo com relação à ALCA – Área de Livre Comércio das Américas. E cita dados da Heritage Foundation, que o Brasil está em 81º lugar na categoria de “nações menos livres”. E citação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “O risco para o Brasil é tornar-se irrelevante no plano da economia mundial, em razão desse fechamento, fruto de uma ideologia atrasada”. Pela terceira vez: tá bom! Não ocorreu aos editores da revista que o governo Lula tenha sido eleito justamente para evitar que o Brasil fizesse parte da ALCA nas condições em que elas estavam postas. Também não devem ter notado que o comércio exterior do Brasil cresceu no governo Lula, a despeito da ALCA.

Então, respondendo àquela primeira pergunta do primeiro parágrafo, o que siginificaria para a revista unir o país para o novo presidente? Simples, que o presidente uma o país diante da agenda que a revista Veja tem para o país: a defesa da democracia, da livre-iniciativa, da liberdade de expressão e opinião. Faltou dizer, a redução do Estado, a fim da educação superior pública e gratuita, e o alinhamento automático aos Estados Unidos na política externa.

Ou seja, a revista não entendeu o recado das urnas. Ou os editores tem pouco discernimento. Ou é má fé: não importa o que a eleição disse, importante são as idéias que eles preconizam.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Domingo o Mateus andava de camiseta Sou PT desde criancinha.
Será que isso é dar-lhe uma educação marcada por "ranços ideológicos"?

8:31 PM  
Blogger José Elesbán said...

Boa pergunta. Espero que não queiram caçar o teu pátrio poder, por estares doutrinando a pobre criança...

10:39 PM  

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