sábado, novembro 20, 2010

Mães da Praça de Maio marcharam pela 1.700ª vez por seus filhos desaparecidos



As Mães da Praça de Maio realizaram nesta quinta-feira (18/11) a 1700ª marcha em protesto por seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar argentina (1976-1983), como fazem todas as semanas, desde o auge da repressão até o período democrático.

Pontualmente, às três e meia da tarde, ali estavam elas, persistentes e a postos, levando a mensagem “aparição com vida dos desaparecidos” bordada nos panos brancos que sempre amarram na cabeça e cobrem os cabelos da mesma cor, para iniciar a volta na pirâmide localizada no centro da praça, em frente à sede do governo.

A marcha foi acompanhada por um grupo de admiradores que todas as quintas-feiras protestam com elas, carregando bandeiras e gritando “presente!” a cada vez que um nome é lido pela narração que acompanha o protesto e lembra um por um dos filhos que sofreram a “desaparição forçada”.

“Chegamos aqui pela primeira vez desesperadas pelos nossos filhos. Não sabíamos que passariam tantos anos, achávamos que conseguiríamos encontrá-los”, afirmou Hebe de Bonafini, presidente da Associação Mães da Praça de Maio, em referência ao dia 30 de abril de 1977, quando fizeram seu primeiro protesto. Como os militares tentavam reprimir a manifestação pedindo que circulassem, as Mães começaram a tradição de caminhar dando voltas na praça, com cartazes que pediam a aparição com vida dos presos desaparecidos.

“Quem poderia acreditar naquele grupinho de loucas que enfrentou a ditadura? Nunca uma organização, em todo o mundo, marchou 1.700 quintas-feiras sem deixar de ir a nenhuma”, registra a associação em seu site oficial. Ao fim de cada protesto, gritavam as consignas: “Com vida os levaram, com vida os amamos” e “Aparição com vida”.

Hebe confessou em um discurso feito após a marcha que a idade já pesa para ela e suas companheiras: “Acordamos de manhã cheias de dor, doem nossas pernas, os olhos, o joelhos, o rim, o coração, tudo.” O avanço dos anos, no entanto, não foi suficiente para diminuir a persistência de suas reivindicações: “Mas mesmo assim, quando se aproxima das três da tarde, vamos correndo pra frente do espelho para colocar o pano na cabeça e quando chegamos na praça já não sentimos dor nenhuma. Por isso eu digo que nossa saúde mental está aqui, na luta”, garantiu Bonafini.

Protesto político

Na marcha 1.700, a faixa carregada pelas mães dizia “Apoiamos o projeto nacional e popular”. A nova mensagem passou a incorporar a marcha após a morte do ex-presidente Néstor Kirchner, refletindo o alinhamento da associação com o governo liderado por Cristina e da participação das mães na política do país, que ganhou ainda mais força com o início do mandato do Kirchner.

Com o passar dos anos e a diminuição da possibilidade de que seus filhos fossem encontrados com vida, os protestos das Mães da Praça de Maio ganharam cada vez mais caráter político. Algumas das faixas levadas à frente das marchas nos últimos anos traziam mensagens como: “Lutemos contra a riqueza da oligarquia terra tenente”, “Trabalhemos pela reforma agrária”, “Viver combatendo a injustiça” e “Distribuição da riqueza já”.

Foi devido a esta inclinação a reivindicar mais que o aparecimento dos filhos que divergências ideológicas internas começaram a surgir. Finalmente, em 1986, o grupo se dividiu em duas correntes: a Associação das Mães da Praça de Maio e a Associação das Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora. A primeira conta atualmente com subsídio do governo e possui cerca de 200 integrantes em todo o país. A segunda, que reúne a maior parte das mães que originaram esta tradição, se declaram “independentes”, e conta com aproximadamente 100 membros.

Nas quintas-feiras, assim como se repetiu na marcha 1.700, as mães da linha fundadora não deram voltas ao lado do grupo de Bonafini, mas do lado oposto e em um número reduzido. Apesar das diferenças, estas cerca de 300 mães dedicaram a vida a um objetivo comum: encontrar seus filhos desaparecidos e exigir justiça. “Um caminho foi marcado por estas mães que estão aqui hoje: não faltar nas quintas-feiras”, declarou Bonafini.

Ao final de seu discurso, a presidente da associação majoritária lembrou que as cinzas das Mães da Praça de Maio que morreram estão espalhadas pela praça. “Pedimos que fizessem isso com todas, porque vamos estar aqui sempre. Quando nossas companheiras vão morrendo, sentimos que estão aqui e que marcham apertadas com nossa faixa, assim como sentimos com nossos filhos, que estão nos apoiando”, afirmou.


Notícia do Opera Mundi. Foto de Luciana Taddeo, vista no Opera Mundi.

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