O medo da política
O medo da política
O PRIMEIRO DEBATE presidencial ocorrido no início do mês deu a tônica da profunda despolitização que parece determinar essa campanha. Os principais candidatos demonstraram um cuidado incrível em transformar o confronto político em uma mera discordância a respeito de problemas, em larga medida, gerenciais.
Questões estruturais, como a educação, eram tratadas sob a lógica do ajuste, como se o problema se restringisse a construir algumas dezenas de escolas técnicas e facilitar o acesso de deficientes às escolas.
Enquanto isso, um dos candidatos lutava com todas as forças para que não colocassem na balança as escolhas operadas por seu partido nos anos em que esteve no governo federal. Normalmente, quem diz não fazer política olhando para o retrovisor tem medo de ser cobrado pelas barbeiragens que fez e pelas expectativas que atropelou.
A outra candidata parecia muito mais preocupada em seguir conselhos de profissionais de marketing e acertar desesperadamente seu difícil "timing". Por fim, a candidata verde queria nos fazer acreditar que os problemas do mundo podem ser resolvidos por algumas parcerias com ONGs e grandes bancos internacionais, já que a ecologia seria esta vara de condão com o dom mágico de apagar conflitos sociais e unir ricos e pobres, especuladores financeiros e camponeses.
Talvez seja interessante nos perguntarmos se isso não é o sintoma mais evidente de um certo "medo da política" que parece querer bloquear nossa democracia.
Medo que faz com que todas as propostas de mudanças estruturais sejam imediatamente expulsas do debate, como se fossem produções delirantes.
Um belo exemplo foi a discussão sobre a reforma tributária. Em dado momento, apareceu no programa da candidata governista propostas como impostos sobre grandes fortunas e sobre herança. Uma boa maneira de lembrar que a discussão tributária em um pais de desigualdades brutais como o Brasil passa por tributar cada vez mais a renda em detrimento do consumo.
No entanto, como quem descobre algo vergonhoso que já devia ter sido extirpado há muito, a proposta foi colocada em um lugar seguramente longe. Neste sentido, não é surpreendente o súbito interesse em torno de Plínio de Arruda Sampaio. Pois, no debate, Plínio não teve medo de fazer política. Ele não temeu explorar problemas que tocam a maneira com que relações sócio-trabalhistas são estruturadas em nosso país, como a jornada de trabalho. Enquanto há países cuja jornada é de 35 horas, nós ainda estamos a tentar discutir a redução de uma jornada de 44 horas.
Ele também lembrou como problemas sociais são profundamente ligados aos impasses brutais de redistribuição de riquezas, embora seria necessário não se contentar com generalidades e mostrar claramente quais seriam as políticas de redistribuição a serem defendidas, como elas poderiam ser implementadas sem desestruturação da atividade econômica. Isto, seu partido tem dificuldade em mostrar.
Porém, a repercussão do desempenho do candidato do PSOL talvez sirva para mostrar que, embora questões gerenciais sejam importantes e não devam ser negligenciadas, o que se espera em uma campanha presidencial é um debate verdadeiramente político onde visões estruturais de país possam ser confrontadas.
Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo, de 16 de agosto de 2010.
Marcadores: Brasil, eleições, política, política brasileira
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