quarta-feira, outubro 07, 2009

Para onde "nós" fomos?

Odeio escrever sobre isto, mas eu, de fato, já estive nesta peça antes e ela é realmente perturbadora.

Estava em Israel entrevistando o Primeiro-Ministro Yitzhak Rabin pouco antes de ele ser assassinado em 1995. Tomamos uma cerveja no seu escritório. Ele precisava de uma. Lembro o clima feio em Israel naquele período - um clima no qual políticos e colonos de direita estavam fazendo tudo o que podiam para retirar a legitimidade de Rabin, que estava comprometido em trocar terra por paz, como parte dos acordos de Oslo. Eles questionavam a sua autoridade. Eles o acusavam de traição. Eles criaram imagens retratando-o como um oficial da SS nazista e gritavam ameaças de morte em comícios. Seus adversários políticos sorriam com tudo isto.

E ao fazerem isto, criaram um ambiente político venenoso, que foi interpretado por um colono judeu de direita como uma licença para matar Rabin - ele deve ter ouvido, "Deus estará ao seu lado" - e assim o fez.

Outros já comentaram sobre esta analogia, mas quero acrescentar a minha voz, pois os paralelos entre Israel naquela época e com a América hoje me fazem sentir mal: não tenho problemas com qualquer crítica sólida ao presidente Barack Obama, seja da esquerda ou da direita. Mas algo muito perigoso está acontecendo. A crítica da extrema direita começou a se transformar em deslegitimização e a criar aqui o mesmo tipo de clima que existia em Israel na véspera do assassinato de Rabin.

Que tipo de loucura é esta que faz com que alguém crie uma enquete no Facebook perguntando aos entrevistados: "Obama deve ser assassinado?" As escolhas eram: "Não, Talvez, Sim e Sim, se ele cortar minha assistência médica". O Serviço Secreto está investigando agora. Espero que eles coloquem o imbecil na cadeia e joguem a chave fora, pois é exatamente isto que estava sendo feito com Rabin.

Mesmo se você não estiver preocupado que alguém possa extrair destes ataques rancorosos uma licença para tentar ferir o presidente, você precisa se preocupar com o que está acontecendo com a política americana em um sentido mais amplo.

Nossos líderes, até mesmo o presidente, não podem mais pronunciar a palavra "nós" com uma expressão séria. Não há mais "nós" na política americana, em uma época em que "nós" temos estes problemas enormes - o déficit, a recessão, assistência médica, mudança climática e guerras no Iraque e no Afeganistão - que "nós" podemos apenas administrar, quem dirá corrigir, se há um "nós" coletivo em ação.

Às vezes, imagino se o presidente "41", George H.W. Bush, será lembrado como nosso último presidente "legítimo". A direita acusou Bill Clinton e o perseguiu desde o 1º Dia com o falso "escândalo" Whitewater. George W. Bush foi eleito de forma suspeita por causa da bagunça da votação na Flórida, e os seus críticos da esquerda nunca o deixaram se esquecer disto.

Agora, Obama está sofrendo ataques à sua legitimidade por uma campanha orquestrada pela extrema direita. Eles estão utilizando de tudo, de calúnias de que ele é um "socialista" enrustido a chamá-lo de "mentiroso" em meio a uma sessão conjunta do Congresso, passando por criar dúvidas sobre o seu nascimento nos Estados Unidos e se ele é, de fato, um cidadão. Estes ataques não estão vindo só da extrema. Agora eles estão vindo de Lou Dobbs na CNN e de membros da Câmara dos Representantes.

Novamente, golpeiem as políticas do homem e até o seu caráter o quanto quiserem. Eu sei que a política é um negócio difícil. Mas se destruirmos a legitimidade de outro presidente para conduzir ou unir o país para o que os americanos mais querem neste momento - estruturar uma nação em casa - estaremos com um problema sério. Não podemos ficar 24 anos sem um presidente legítimo - não sem sermos esmagados pelos problemas que acabaremos adiando porque não conseguimos enfrentá-los de forma racional.

O sistema político americano, como diz o ditado, foi "criado por gênios para que pudesse ser administrado por idiotas". Mas um coquetel de tendências políticas e tecnológicas convergiu na última década de forma a possibilitar aos idiotas de todas as vertentes políticas subjugar e paralisar os gênios do nosso sistema.

Estes fatores são: o excesso selvagem de dinheiro na política; o gerrymandering de distritos políticos, tornando-os permanentemente republicanos ou democratas e apagando o meio-termo político, um ciclo de 24 horas por dia, 7 dias por semana de jornalismo na TV a cabo, que transforma toda a política em uma batalha diária de táticas que oprime o pensamento estratégico; e uma blogosfera que, no seu melhor, enriquece nossos debates, colocando novos limites na classe dominante e, no seu pior, torna nossos debates mais grosseiros em um nível totalmente novo, dando um novo poder para difamadores anônimos mandarem mentiras ao redor do mundo. No fim, além de tudo, agora temos uma campanha presidencial que incentiva o partidarismo total, o tempo todo, entre nossos principais políticos.

Eu afirmaria que, juntas, estas mudanças resultam em uma diferença de grau que é uma diferença em tipo - um tipo diferente de cenário político americano que me faz imaginar se ainda podemos discutir seriamente, por mais um minuto, assuntos sérios e tomar decisões com base no interesse nacional.

Não podemos mudar isso da noite pro dia, mas o que podemos e devemos mudar é o fato de pessoas cruzarem a linha entre criticar o presidente e incentivar tacitamente o impensável e o imperdoável.

Texto de Thomas Friedman, no The New York Times, reproduzido no Terra Magazine.


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