quarta-feira, setembro 30, 2009

"Só uma minoria é feliz no trabalho"

Só uma minoria é feliz no trabalho, descobre filósofo

Alain de Botton diz ser impossível não haver insatisfações na vida profissional

Escritor suíço explora os significados de vários ofícios em obra que gerou troca de ofensas on-line com crítico do "The New York Times"

MARIANNE PIEMONTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LONDRES

Nem Proust, nem Sêneca. O tema do novo livro do filósofo e escritor suíço Alain de Botton, 40, é mais mundano: o trabalho. E "Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho" chega ao Brasil nesta semana após uma discussão nada filosófica.
Uma crítica pouco elogiosa no "The New York Times" levou de Botton a escrever no blog do jornalista Caleb Crain uma resposta que terminava com a frase: "Odiarei você até minha morte. Observarei você com interesse e "schadenfreude" (felicidade com a desgraça alheia, em alemão)".
Em entrevista à Folha, na sua casa-escritório em Londres, De Botton riu do episódio. "Não me arrependo das palavras, mas sim de ter respondido pela internet; ficou público. Em outro tempo, o encontraria numa festa e diria "você é um idiota". Ninguém saberia." Fechado esse capítulo, nos dez que compõem "Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho" De Botton busca os significados de vários ofícios. Em um episódio, segue a trajetória de um atum do oceano Índico até a mesa de uma família em Bristol (norte da Inglaterra).
Um trecho descreve o desespero de um pescador que golpeia com um porrete a cabeça de um peixe de 50 kg. "Cretino, você já viveu o bastante", diz. Era o primeiro atum que ele pegava em oito dias e seis crianças o esperavam em casa.
Mal lançara o livro, já estava, a convite da British Airways, no aeroporto de Heathrow, em Londres, onde morou por sete dias como "escritor-residente" para criar sua próxima obra, "A Week at the Airport: A Heathrow Diary" (uma semana no aeroporto - o diário de Heathrow). A seguir, a entrevista.

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FOLHA - Que importância tem o dinheiro na felicidade no trabalho?
ALAIN DE BOTTON
- Dinheiro é uma forma de amor. Não adianta alguém dizer "gosto muito de você". Apenas quando você ouve "ok, vou lhe pagar 1 milhão de libras" você sente que é necessário. É difícil compreender que você é importante quando é mal pago, mesmo se disserem que você é ótimo.

FOLHA - Felicidade e trabalho podem conviver?
DE BOTTON
- A pergunta é se amor e trabalho podem estar juntos. Minha resposta é: sim, na teoria. Existem pessoas que são felizes no emprego, mas são uma minoria. Não há razão, em tese, para que você seja infeliz no trabalho, mas há várias, na prática, para que a vida no escritório seja difícil. Se o cara que senta ao seu lado é um idiota, você vai odiar o trabalho, por melhor que ele seja. É impossível passar pela vida profissional sem pelo menos uma série de insatisfações, questionamentos e crises.

FOLHA - Desde o começo de 2008, 23 funcionários da France Telecon (empresa de telefonia francesa) se suicidaram. O que pensa disso?
DE BOTTON
- O capitalismo moderno sugere que os seres humanos são apenas commodities, mercadorias que se pega e pelas quais se paga um preço. Mas há uma grande diferença entre pessoas e algodão ou petróleo. As pessoas podem cometer suicídio. Você contrata uma pessoa inteira, não apenas um cérebro ou um braço. Isso precisa ser reconhecido pelos capitalistas.

FOLHA - Como foi sua experiência como escritor-residente no aeroporto de Heathrow?
DE BOTTON
- Aeroportos me interessam porque é neles que melhor está representado o mundo moderno. Lemos sobre o mundo globalizado, conectado e high-tech, e ali isso está em ação. Foi um prazer sentar e observar como tudo funciona. As pessoas vinham falar comigo sobre seus medos e pensamentos. Me senti como um padre no confessionário. "Não suporto mais; quero abraçar uma árvore, preciso de um pedaço de natureza", disse um cara que viajava há cinco dias.


OS PRAZERES E DESPRAZERES DO TRABALHO

Autor: Alain de Botton
Tradução: Hugo Langone
Editora: Rocco
Quanto: R$ 42,50 (328 págs.)

Da Folha de São Paulo, de 22 de setembro de 2009.

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