Nova lei de família divide o Marrocos
Nova lei de família divide o Marrocos
Por STEVEN ERLANGER e SOUAD MEKHENNET
TÂNGER, Marrocos — Apesar de uma reforma importante do código de família do Marrocos feita em 2004, o sexo fora do casamento não é reconhecido no país, nem a homossexualidade.
A nova lei, conhecida como Moudawana, foi imposta a um Parlamento relutante pelo jovem rei Mohamed 6°. Ela não oferece proteção a mulheres como Latifa al Amrani, 21, que está prestes a se tornar mãe solteira. Ela conheceu um homem, Ali, que disse ser policial. Um dia, ele a levou supostamente para conhecer sua tia. Era um apartamento vazio, e eles fizeram amor.
“Ele me disse que queria casar comigo”, contou Amrani. “Mas então ele trocou seu número de telefone, e não consegui mais encontrá-lo.” Ela deu queixa à polícia, mas não teve retorno. Seus pais lhe bateram, ela disse, por isso fugiu.
Mas Amrani pretende ficar com seu bebê. Um dos motivos de sua confiança é o trabalho de um grupo beneficente chamado 100%Mamans, criado em 2006 por Claire Trichot, 33. Com a ajuda de uma organização não governamental espanhola e de doadores privados, ela oferece alimentação, abrigo e educação para mães solteiras, leva-as a hospitais para o parto e depois as ajuda a cuidar dos bebês e a encontrar trabalho.
A maioria das jovens foi rejeitada por suas famílias e abandonada pelos pais de seus filhos, disse Trichot. As mesquitas as ignoram; as famílias às vezes as expulsam; a polícia geralmente acha que até as vítimas de estupro estão mentindo.
“Queremos garantir que essas mulheres sejam tratadas com justiça”, disse Trichot.
A lei Moudawana foi muito elogiada, porque deu às mulheres direitos iguais aos dos homens no casamento, incluindo o direito de pedir divórcio; aumentou a idade legal para o casamento de 15 para 18 anos; e deu às primeiras mulheres o direito de recusar se seus maridos quiserem ter uma segunda cônjuge. A lei tornou o divórcio um procedimento legal, eliminando a tradição de o marido se divorciar da mulher simplesmente entregando-lhe uma carta.
Mesmo cinco anos depois, a lei é bastante polêmica, e muitos juízes de família são suscetíveis à corrupção, segundo grupos que promovem os direitos femininos, como a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres, de Casablanca. “Você não pode esperar uma mudança rápida de mentalidade e de hábitos em apenas cinco anos”, disse Touria Eloumri, presidente da associação.
Há casos em que o consentimento da primeira mulher a um segundo casamento é forjado, ou uma mulher aparece diante do juiz fingindo ser a esposa de um homem, disse Eloumri. Há longas demoras, e o sistema de tribunais familiares começa a ser instituído. Muitas mulheres querem mais mudanças.
Em uma recente pesquisa feita pela revista marroquina “TelQuel” e pelo jornal francês “Le Monde”, 91% tinham opiniões favoráveis sobre o rei. Mas a mesma pesquisa, que foi proibida pelo governo, revelou que 49% disseram que a Moudawana dá “direitos demais às mulheres”, enquanto 30% disseram que dá “direitos suficientes às mulheres” e não deveria ir além.
Hinde Taarji, 52, escritora e jornalista divorciada, recentemente adotou um filho. “É evidente que a nova lei não pode ser implementada da maneira como deveria, por enquanto”, ela disse. “Mas é um sinal importante.”
Ela falou sobre uma amiga que dirigia um hotel e estava separada há 15 anos, mas não podia obter o divórcio porque seu marido o recusava. Sob a nova lei, ela finalmente se divorciou.
“Mesmo com a melhor lei do mundo, a corrupção do sistema judiciário ainda é um problema muito grande aqui”, disse Taarji. “Mas muitas coisas mudaram para melhor no Marrocos.”
Ainda assim, o maior problema para as jovens é a falta de educação; há pouca educação sexual, mesmo em casa, e quase 70% das mulheres que procuram a 100%Mamans são analfabetas. “Elas saem de casa, vão para as cidades trabalhar e ganham liberdade”, disse Trichot. “Depois, conhecem rapazes, mas ainda não estão prontas.”
Notícia do The New York Times, republicada na Folha de São Paulo, de 14 de setembro de 2009.
Marcadores: Islamismo, leis, Marrocos, relações familiares
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