Ecos de um 11 de setembro
JOHANN HARI
DO "INDEPENDENT"
O FANTASMA do outro 11 de setembro, muito mais sangrento, voltou a rondar a América Latina. Na manhã de domingo, um batalhão de soldados forçou a entrada no palácio presidencial de Honduras. As tropas cercaram a cama na qual o presidente democraticamente eleito, Manuel Zelaya, dormia e cutucaram o peito dele com metralhadoras. Os soldados ordenaram que o presidente se levantasse e o levaram a um avião militar. Zelaya foi deixado de pijamas em uma pista de pouso na Costa Rica e instruído a não voltar mais a seu país.
Em Honduras, os generais bloquearam as redes telefônicas, a internet e o funcionamento dos canais internacionais de TV. Ministros do governo foram detidos e espancados. Quem saísse de casa depois das 21h correria o risco de ser abatido a tiros. Tanques e gás lacrimogêneo foram utilizados contra os manifestantes que saíram às ruas.
Para a América Latina, foi uma reprise do 11 de setembro que marca a história da região. Naquele dia, em 1973, no Chile, o presidente socialista Salvador Allende foi forçado a deixar seu gabinete por um bombardeio. Suicidou-se. Foi substituído por um líder que se descrevia como "fascista", o general Augusto Pinochet, que promoveu o "desaparecimento" de dezenas de milhares de inocentes.
A desculpa oficial para assassinar a democracia chilena foi a de que Allende era "comunista". Não era. Na verdade, foi morto porque estava ameaçando os interesses de grandes corporações americanas e chilenas ao transferir o controle da riqueza e da terra para o povo.
Honduras é um pequeno país na América Central com apenas sete milhões de habitantes, mas iniciou um programa de promoção autônoma da democracia. Em 2005, Zelaya disputou a Presidência prometendo que ajudaria a maioria pobre da população do país. Eleito, elevou o salário mínimo em 60%, decretou que a exploração da mão de obra não seria mais aceita e que "os ricos precisam pagar sua parte".
A minúscula elite no topo, que controla 45% da riqueza do país, se horrorizou. Estão acostumados a que Honduras seja dirigida para e por eles.
É inevitável que as pessoas que sempre estiveram por cima contra-ataquem para manter seus privilégios. Em 2002, a oligarquia venezuelana conspirou com o governo de George W. Bush para raptar Hugo Chávez. Um levante do povo conduziu-o de volta ao poder. Agora, estão tentando a mesma coisa em Honduras.
A aliança entre militares e empresários inventou uma desculpa que vem sendo repetida por inocentes úteis no mundo ocidental. Os generais alegam que derrubaram Zelaya e detiveram seus ministros para salvar a democracia.
E eis como isso aconteceu. Honduras conta com uma Constituição redigida em 1982, pela oligarquia, sob a supervisão da ditadura militar que estava se encerrando. O texto dispõe que o presidente só possa servir por um mandato, enquanto as Forças Armadas continuam permanentes e "independentes", o que garantiria que continuassem a exercer o poder real sobre o país.
Zelaya acreditava que isso representasse um obstáculo à democracia e propôs um referendo que determinaria se o povo deseja eleger uma Assembleia Constituinte e criar uma nova Carta. O novo texto reduziria o poder das Forças Armadas e talvez até permitisse que o presidente disputasse a reeleição.
A Corte Suprema hondurenha, no entanto, decidiu que era inconstitucional promover um referendo cujo resultado teria aplicação compulsória a menos de um ano da data da nova eleição presidencial. Por isso, Zelaya propôs um referendo cujo resultado não tivesse aplicação compulsória. Os militares, temerosos do veredicto do povo, decidiram intervir.
Mas houve progressos com relação aos dias de 1973, ou até mesmo aos de 2002. Os golpes contra Allende e Chávez foram apoiados pela agência de Inteligência dos EUA (CIA) e pela Casa Branca. Mas, desta vez, Barack Obama declarou que "acreditamos que o golpe não tenha sido legal e que Zelaya continua a ser o presidente de Honduras", chamando o golpe de "um terrível precedente".
A face mais feia da oligarquia latino-americana está agora sozinha contra o mundo, demonstrando seu desprezo pela democracia e pelo povo. Seus líderes lutam por preservar o continente como era no passado, com toda a riqueza destinada a eles, sob a mira das metralhadoras.
Hoje, Zelaya disse que tentaria retornar ao país que o elegeu, para retomar o posto que lhe é devido. Seu sucesso ou fracasso nessa empreitada nos dirá se os filhos das lixeiras têm motivo para esperança e se a fumaça do 11 de setembro mais mortífero já se dispersou.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto publicado na Folha de São Paulo, de 5 de julho de 2009.
Marcadores: Golpe de 1973 no Chile, golpe de estado, Honduras
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