A Destruição em Rafah
Rafah, no sul da faixa de Gaza, é retrato da devastação provocada pela ofensiva
DONALD MACINTYRE
DO "INDEPENDENT", EM RAFAH
(FAIXA DE GAZA)
Mesmo na escuridão, pudemos ver as pilhas de escombros. Uma delas tinha sido a delegacia de polícia. Outra era formada pelas casas destruídas em volta de Muntasa, um parque que, segundo os israelenses, tinha sido usado por militantes para disparar foguetes. O parque não existe mais -não passa de um campo de escombros de concreto e alvenaria.
A devastação imposta a Rafah, na extremidade sul da faixa de Gaza, era evidente mesmo no percurso curto da fronteira egípcia até a cidade. Quando entramos em Gaza vindos do Egito, as luzes de ambulâncias palestinas piscando contra o céu escuro, enquanto paramédicos descarregavam os feridos na fronteira, foram o primeiro sinal real da guerra travada durante três semanas.
Quando a noite caiu sobre Rafah, ainda se ouvia um avião espião israelense sem tripulantes no ar, um lembrete de quão intranquilo será o cessar-fogo.
A família Harb estava reinstalando as janelas de seu apartamento, a pouco mais de 500 metros da fronteira. Jawwad Harb explicou que, mesmo sem combustível para aquecer a casa durante os cortes de eletricidade, era preferível expor seus seis filhos ao frio, protegendo-os com casacos e cobertores, que correr o risco de que fossem cortados por estilhaços de vidro durante as explosões.
Harb, que trabalha para a organização humanitária Care, contou que se sentiu impotente durante os ataques. Ele abraçava seus filhos, tentando reconfortá-los com a ideia de que os bombardeios que eles ouviam seriam "muito temporários".
Quando disse isso, sua filha Banyas, 15, respondeu: "Isto é temporário para sempre" -ou seja, "ela vive de guerra em guerra desde sempre, desde que nasceu. Então meu filho de 6 anos, Ziad, me perguntou: "Vamos morrer?". Isso realmente partiu meu coração".
Com blecautes elétricos cortando periodicamente o fornecimento de água, Harb saiu de casa um dia para buscar 20 litros de água da usina local de dessalinização.
"No caminho de volta, houve quatro ataques aéreos. Algumas pessoas jogaram a água fora e fugiram. Mas eu tinha seis filhos em casa precisando urgentemente de água limpa, então abracei meus garrafões como preciosidades e continuei em frente até chegar em casa."
Mas a família Harb sabe bem que mesmo essas privações são superadas de longe por outras que provavelmente virão à tona nos próximos dias em Gaza.
Indagado sobre a alegação de Israel de que o Hamas, pelo fato de operar em áreas residenciais, seria culpado de colocar em risco as centenas de civis que fazem parte do total de mortos, Harb respondeu: A Convenção de Genebra diz que os civis devem poder sair da área da guerra e dos campos de batalha. Parece que é só em Gaza que eles são impedidos de deixar o campo de batalha."
Mesmo com as lojas sendo reabertas ontem em Rafah -as pessoas saíram para comprar suprimentos, e os morteiros, tanques e aviões de guerra silenciaram pela primeira vez em três semanas-, ninguém tem a certeza de que a guerra não vá recomeçar.
Texto da Folha de São Paulo, de 20 de janeiro de 2009.
Marcadores: Faixa de Gaza, Israel, massacre em Gaza, Palestina, Rafah
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