terça-feira, março 20, 2007

Fernando Canzian: O Bagaço da Cana - Folha de São Paulo, 12/03/2007

FERNANDO CANZIAN

O bagaço da cana

SÃO IMENSAS as possibilidades que a decisão norte-americana e de outros países sobre o álcool combustível abrem ao Brasil. Com maior potencial no mundo para produzir o etanol e há 30 anos no ramo, o país tem condições de ganhar muito dinheiro e empregos na área.
Como calculou o colega Mauro Zafalon, especialista desta Folha em quase tudo o que pasta ou cresce no campo, se todos os países do mundo resolvessem adicionar 10% de álcool à gasolina, o consumo de etanol chegaria a 130 bilhões de litros por ano.
Brasil e EUA, responsáveis por 72% do álcool produzido no mundo (lá de milho, aqui de cana), juntos não chegam a 40 bilhões de litros por ano. Com três milhões de hectares de cana para o álcool, o Brasil tem ainda outros 22 milhões totalmente adequados para o cultivo. Já os EUA estão no limite.
Na ponta do consumo, os norte-americanos vão adicionar 20% de álcool à gasolina até 2017. O Brasil já usa 23% (de cada quatro veículos "a gasolina", quase um é movido a álcool). A União Européia ratificou plano para adicionar 10% até 2020, e o Japão só não o faz formalmente porque não tem garantias de abastecimento.
Ao contrário do passado, quando o Proálcool deixou motoristas de tanques vazios, a decisão sobre os biocombustíveis agora tem outras razões além do preço e de dependência de petróleo. Tornou-se questão política/ecológica.
Mesmo a polêmica sobretaxa norte-americana sobre o álcool (válida até 2009) perderá sentido rapidamente se o produto virar commodity internacional.
As possibilidades são imensas. Assim como as chances de distorções e problemas que a busca indiscriminada por lucros e mercados pode causar.
Na semana passada, o "Jornal Nacional" mostrou uma das várias faces do problema: tratores invadindo áreas de mananciais no interior de São Paulo, na madrugada, derrubando árvores centenárias e entupindo nascentes de riachos.
Áreas planas, de preferência, para o plantio da cana e colheita com máquinas, sem homens, como vai se tornando praxe nesse mercado.
Em São Paulo, que produz dois terços do álcool/açúcar do país, mais da metade da colheita ainda é feita com queimadas. Isso sem falar nas condições de trabalho nos canaviais.
Embora Lula diga que o Brasil poderá fazer algo que "nunca na humanidade" (estamos indo longe) foi feito, como "despoluir o mundo", o que os números e ações de seu governo revelam é que o enfoque principal era outro -o biodiesel. Os míseros R$ 4 milhões federais para pesquisas em álcool em mais de dez anos dão uma boa noção de quão precários são os outros controles nessa área.


FERNANDO CANZIAN é repórter especial da Folha.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1203200706.htm

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