Dois Fatos, Dois Pesos
Dois fatos, dois pesos - José Chrispiniano
Ao tratar da depredação realizada pelo MLST no Congresso, a revista Veja fez questão de igualar os movimentos sociais a organizações criminosas. Mas optou por não dar nenhuma linha ao secretário de Segurança de SP, Saulo de Castro Abreu, que, ao depor na Assembléia, encheu a sala de oficiais de polícia e debochou dos parlamentares.
Data: 14/06/2006Comparações entre atitudes e tratamento da imprensa dados à esquerda ou à direita, ou ao PT e ao PSDB, talvez seja uma das coisas mais chatas e óbvias a se fazer na análise da nossa mídia grande. Mas às vezes não temos como escapar disso. Semana passada manifestação do até então desconhecido Movimento pela Libertação dos Sem-Terra (MLST), dissidência do MST, depredou uma ante-sala do prédio do Congresso Nacional. Os manifestantes foram presos, e estão sendo processados. O governo soltou uma nota condenando o caso, e o PT, em uma velocidade que não se viu para punir membros do partido denunciados em escândalos de corrupção, iniciou processo de expulsão do líder do movimento, Bruno Maranhão, filiado ao partido e membro da sua executiva nacional. Isso, todos sabem.
Quando o assunto encontra a criatividade, ideologia e “boa vontade” jornalística da equipe editorial da “Veja”, os manifestantes se transformam nos “PTbulls”. Vai a transcrição completa do texto da capa:
“Financiados pelo governo e chefiados por um dirigente do partido, os agitadores que depredaram o Congresso Nacional são apenas um dos grupos que se comportam como o braço armado do PT”
Existe um todo pela parte (uma ante-sala vira todo o Congresso Nacional, vira o parlamento e a democracia em si), mas, pior ainda, existe a idéia ventilada de que os movimentos sociais são braços, e “armados”, de um partido. No editorial, “Veja” acrescenta o seguinte:
“A invasão do Congresso por um destacamento do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) vem sendo classificada de vandalismo. É um erro. A operação foi uma ação violenta, planejada e executada com desvelo em seu objetivo de desmoralizar a democracia representativa. Era de esperar que, como a mais alta figura na hierarquia política do país, o presidente Lula fosse eloqüente na condenação do episódio. Outro erro. Sua assessoria se limitou a emitir uma nota sem convicção.
(...)
Nem Lula nem seu partido, o PT, pareceram preocupados com a essência deletéria do episódio sobre o frágil tecido político sobre o qual se assentam as instituições democráticas no Brasil. Em um ano eleitoral, limitaram-se a salvar as aparências.”
No fim do editorial, textualmente, sem sutilezas, “Veja” iguala movimentos sociais e organizações criminosas. Já que estamos falando de atos que atentam contra a democracia representativa e o frágil tecido político do país, e o próprio título da matéria dentro da revista fala em “Insulto à democracia”, vamos para um outro fato ocorrido na semana passada, terça-feira, que não mereceu nenhuma palavra de “Veja” esta semana.
O secretário de Segurança de São Paulo, Saulo de Castro Abreu, depôs no parlamento local, a Assembléia Legislativa. Encheu a sala de oficiais das forças policias do estado, e a frente do prédio de viaturas (ou seja, carros em serviço, pagos com recursos públicos) e ficou debochando e ironizando, com gestos e impropérios, os deputados, representantes eleitos da população, dizendo que estava ali perdendo tempo. Não só os do PT, mas o próprio PFL ficou irritado com a atitude do secretário, que nitidamente falou e jogou com as corporações armadas do estado, a qual chefia, para se postar diante do parlamento. O fez com as piores bandeiras e perspectivas possíveis que é a de uma polícia sem transparência, sem controle, corporativista ao extremo, sem respeito aos direitos humanos e com gosto por excesso de ações sigilosas, onde fica mais fácil de prosperar abusos e corrupção. Um modelo de polícia que só interessa a forças e instintos “primitivos”, mais ninguém, nem aos próprios policiais.
O secretário é filiado ao PSDB e ocupou o mesmo cargo durante a gestão do candidato a presidente da República Geraldo Alckmin. É um caso regional, mas no estado mais importante do país, e ligado aos desdobramentos dos atentados do PCC, grande crise de poucas semanas atrás, que a imprensa já esqueceu. A nossa imparcial, republicana, moderna e lucrativa mídia dedicou pouca atenção ao episódio. A revista “Veja”, nenhuma palavra, não considerou notícia um parlamento intimidado pela força policial. Isso com toda a preocupação que eles dizem ter com a democracia, com o estado de direito, com toda a indignação que eles gostam de professar. Por que será? Quem sabe, foi um simples caso de desatenção.
http://agenciacartamaior.uol
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