sexta-feira, maio 19, 2006

"Estado Burguês"

Marxistas puros e duros, e mesmo marxistas vulgares (marxistas puros são aqueles que leram o livro O Capital, de Karl Marx; marxistas vulgares são aqueles que só leram O Manifesto Comunistas, ou o Manifesto do Partido Comunista e alguns comentaristas e vulgarizadores da obra do filósofo alemão. Há ainda uma vertente de adeptos dos irmãos Groucho e Harpo Marx) dizem que, com a Revolução Francesa de 1789, a burguesia chegou ao poder no ocidente.
Nos livros de História, aqui no Brasil, eu pelo menos aprendi, até a primeira metade da década de 1980, que a Revolução Francesa de 1789 serviu para "acabar com o Feudalismo na Europa", e que o poder político passou da Nobreza para a Burguesia. Parece que estes mesmos conceitos acabaram sendo transmitidos para meu filho que está no início do segundo grau. Ele havia decorado os conceitos, mas não me respondeu satisfatoriamente o que significava feudalismo, nem nobreza, nem burguesia. Vamos tentar conceituar isso tudo.
O Feudalismo foi um sistema pelo qual parte do poder do rei era concedido aos seus nobres. Na ordem que se estabeleceu no Ocidente, o poder do rei provinha diretamente de Deus, e em nome Dele, o rei reinava e concedia dádivas. Os nobres foram se constituindo a partir de dois meios, a antiga nobreza romana, o patriciado, e os guerreiros que serviam aos reis que por muito tempo foram chamados de bárbaros (na verdade ainda há muitos que chamam os povos germânicos, e os vindos de oriente, e que penetraram na parte ocidental do antigo Império Romano de "bárbaros". Isto servia bem aos romanos que, às vezes, os combatiam [em outros momentos estes mesmos "bárbaros" eram transformados em aliados] para diminuir estes outros povos, hoje não me parece haver muito sentido em chamá-los de "bárbaros", a não ser para dizer que eram diferentes dos cidadãos do Império Romano). O rei, em nome de Deus, era o "dono" de toda a terra que um povo ocupava, mas distribuía parcelas desta terra aos nobres, uma parcela distribuída era um "feudo" (um poço, ou um porto também poderiam ser "feudos" distribuídos, mas vamos aqui, para simplificar, nos ater à terra). Quem recebia a terra era um senhor feudal, e um nobre. Era-se nobre com base em nascimento, naquelas condições anteriores ditas, ou, excepcionalmente, por nomeação do rei. Um nobre valia mais que quem não fosse nobre. Tinha mais direitos, eventualmente tinha poder de vida e morte sobre os camponeses (servos) que trabalhassem em suas terras. Este sistema vigorou, com matizes, no chamado Ocidente Cristão entre aproximadamente o século VI e o século XVIII. O chamado exemplo clássico de feudalismo teria sido o reino da França.
A Revolução Francesa é o auge de um processo que poderíamos situar o início lá pelo século XII ou XIII, quando uma certa prosperidade começa a surgir na Europa, o comércio e as cidades começam a crescer, e um tipo de sistema legal vinculado à terra, e no qual algumas pessoas têm mais direitos que outras começa a se tornar anacrônico.
Assim, os burgueses, isto é, os homens que normalmente viviam em cidades e eram proprietários das pequenas manufaturas que faziam as vezes de indústria da época, bem como os comerciantes, lideraram a luta para que todos fossem iguais perante o sistema legal. Isso aconteceu primeiro na Inglaterra, no século XVII, e só um século depois na França. Com a Revolução Francesa, embora com uma série de idas e vindas, ficou estabelecido que mesmo o rei deveria obedecer a uma constituição, e que todos os homens seriam iguais perante a lei (a tal igualdade do lema "liberdade, igualdade e fraternidade" que enfeita as referências à Revolução Francesa). As pessoas que se consideram politicamente liberais costumam se referir assim a si mesmas.
Espero que tudo tenha ficado claro até aqui. Esta que foi explicada, é a versão digamos assim, idealizada da história da Revolução Francesa. Fim de privilégios da nobreza, fim do poder absoluto do rei, direitos iguais para todos os cidadãos.
A versão marxista variaria um pouco. Em resumo, diria que com a Revolução Francesa, a burguesia, os mesmos comerciantes-negociantes e donos de manufaturas, conseguiram dominar o poder do estado, e desde então procuram tirar benefícios desse poder para si mesmos, com a criação de leis que lhes permitam acumular o máximo de poder e riqueza possível. Assim, são criadas leis com o sentido de dificultar associações de trabalhadores para que eles, os trabalhadores, não possam fazer reivindicações que diminuam a riqueza da burguesia. Também é assim que os primeiros direitos de voto, estabeleciam sistema de votação censitário, em que o eleitor deveria demonstrar ter acesso a certa quantidade de riqueza para poder votar. Simplificando ao extremo, o estado se tornou um instrumento da burguesia.