sábado, novembro 18, 2006

Um Simplismo Atroz

Este blog tem dito com alguma freqüência que a política gera reações viscerais em muitos casos. Estas reações viscerais, ou com outras palavras, as paixões que a política pode despertar nas pessoas é capaz de fazê-las perder o raciocínio e deixar de ver coisas evidentes, mesmo que estas pessoas sejam pessoas com excelente formação intelectual.


Tivemos este tipo de reação da parte de dois intelectuais que puderam manifestar seu pensamento nas páginas do jornal Folha de São Paulo. Um foi o professor Hélio Jaguaribe, como diz a apresentação dele na própria Folha, sociólogo, professor emérito do Instituto de Estudos Políticos e Sociais do Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Letras. O outro é Gustavo Ioschpe, apresentado pela Folha de São Paulo, como mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos. O sr. Ioschpe pôde manifestar seu pensamento em alguns textos que a Folha publicou durante o período eleitoral que recém vivenciamos.


Pois estes dois intelectuais, que antigamente chamaríamos “gabaritados”, não conseguiram vencer seus preconceitos e sua torcida pelo candidato da oposição na recente corrida eleitoral, e, cegos, atribuíram a derrota deste candidato à ignorância dos eleitores, pois votar no candidato da oposição era uam questão de sabedoria. Eles variam nos seus percentuais. O professor Jaguaribe diz que


dois terços dos brasileiros se encontram em estado de completa ou extremamente precária educação, e apenas um terço dispõe de um nível educacional comparável ao dos povos do sul da Europa.
A dramática deseducação desses dois terços de nossos concidadãos lhes acarreta duas principais incapacitações: 1) a do exercício de atividades não rudimentares, com decorrente nível extremamente baixo de remuneração; 2) a de um entendimento mínimo dos problemas nacionais, ficando a atenção desses brasileiros voltada, exclusivamente, a questões atinentes à imediata sobrevivência.
Para esses dois terços, quase todos os aspectos negativos do governo Lula passam desapercebidos, e o pouco de que venham a se inteirar lhes é indiferente. Nessas condições, os eleitores desse grupo dirigem aos candidatos uma única questão: que tenho eu, minha família e meu grupo a ganhar? A resposta óbvia é: tudo com Lula, nada com Alckmin.
O outro terço, satisfatoriamente educado, faz outro tipo de questão: que tem o Brasil a ganhar com Lula ou com Alckmin? A resposta, igualmente óbvia, é: muito pouco com Lula, e bastante com Alckmin. Essas duas propostas explicam por que Lula deverá ter 61% dos votos válidos, e Alckmin, apenas 39%. Os terríveis efeitos da deseducação de dois terços dos brasileiros continuarão a se fazer sentir enquanto os excluídos da educação (e de modalidades superiores de cidadania) não lograrem um nível satisfatório de educação.


Já o sr. Ioschpe informa:


Em um país como o Brasil, em que o acesso à informação é precário e a capacidade de julgamento é prejudicada pelo baixo esclarecimento da maioria da população, três quartos dos cidadãos não são plenamente alfabetizados -a tentação de usar as limitações da democracia para solapá-la são enormes.


Variaram nos percentuais, e nas conseqüências, mas o diagnóstico foi o mesmo. Só os ignorantes, os incapazes de compreender a situação política, os semianalfabetos é que votaram no candidato à reeleição. O professor Jaguaribe diz que esta situação só mudará quando o terço da população que ele acredita mais educada se mobilizar para levar a educação ao restante da população, um projeto que, segundo ele durará pelo menos três gerações.


Já o sr. Ioschpe destila todo o seu preconceito, e aponta o dedo para o governo atual, como inimigo político, que já não é possível esconder:


Quem discorda da imposição de critérios raciais na orientação de políticas públicas é racista. Quem denuncia que o presidente bebe é expulso do país. Quem acredita que o respeito à lei e às instituições é um dever que voto nenhum pode alterar virou golpista. Os adversários políticos que não se vendem serão destruídos por dossiês criminosos.
A democracia está sendo solapada pela desqualificação do contraditório, pelo achincalhamento dos mecanismos de controle do Executivo da imprensa ao Congresso. Pão e mensalão: a receita da pax lulista.
Esse meio é seu próprio fim. O poder que corrompe é usado a serviço da manutenção do poder.

As afirmações dos dois homens privilegiados em acesso à informação não são resultado de uma análise da realidade, mas da verbalização de seus preconceitos e de suas crenças. Pensemos no estado do jornal que publicou as opiniões destes senhores, o estado de São Paulo. Em São Paulo, o candidato da oposição, Geraldo Alckmin, ganhou do presidente Lula, e os percentuais foram de 53% a 47% dos votos válidos. Será que São Paulo tem 53% de “esclarecidos” e 47% de “ignorantes”? Mas como ficam aqueles percentuais de 1/3 para um deles, e ¼ para o outro? Outro estado em que o candidato da oposição venceu foi o Rio Grande do Sul, 55% a 45% dos votos válidos. O candidato da oposição venceu ainda em Santa Catarina, 55% a 45%, Paraná 51% a 49%, no Mato Grosso, mas aí a diferença foi de 4 mil votos, um empate técnico de 50% a 50% praticamente, no Mato Grosso do Sul, 55 % a 45%, e em Roraima teve sua maior vitória, 61% a 39%, mas num colégio eleitoral de 173 mil eleitores. Os números estão arredondados. E o que estes números nos dizem? Que nos poucos estados em que Alckmin ganhou, ele ganhou por pouco (exceção de Roraima), e nos estados em que ele perdeu, em alguns ele perdeu por muito. E as pesquisas informam que o candidato vencedor, não foi apenas o candidato dos pouco instruídos. Ele teve votos em todas as faixas etárias, em todas as faixas de instrução, e em todas as faixas sociais.


Ou seja, pessoas com notável capacidade de análise, às vezes, se tornam incapazes de apreender a realidade à sua volta. A paixão cega...


Para saber mais:

Informações sobre a eleição no Tribunal Superior Eleitoral: http://agencia.tse.gov.br/

O texto do Prof. Hélio Jaguaribe (para assinantes da Folha de São Paulo): http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2710200608.htm

O texto de Gustavo Ioschpe (também para assinantes da Folha de São Paulo): http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3110200607.htm