Eleição de Zuma expõe prática da poligamia na África do Sul
Eleição de Zuma coloca poligamia sob holofote
Futuro presidente sul-africano tem 3 mulheres; "eu amo todas", afirma ele
Prática comum nas zonas rurais do país tem status legal e opõe tradicionalistas às massas urbanas mais voltadas para EUA e Europa
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO
A perspectiva da ascensão de Jacob Zuma à Presidência da África do Sul acendeu um debate acalorado sobre a poligamia, uma tradição tribal, num país em que grande parte da população almeja ser aceita como parte do mundo ocidentalizado.
"Quem será a primeira-dama?", diverte-se a imprensa local, tentando adivinhar qual das três mulheres (declaradas) receberá a honraria: a discreta Sizake Khumalo, idade desconhecida, com quem é casado há 50 anos, a evangélica Nompu Mantuli, 34, (a aparente favorita) ou a mais recente, Thobeka Mabhija, 35. Especula-se que Zuma, 67, tenha até seis mulheres e ao menos 18 filhos.
O futuro presidente -que terá a eleição indireta confirmada após a posse do novo Congresso, eleito anteontem- é um zulu que faz uso extensivo das raízes em seu marketing de "homem do povo".
Pagou por isso: igrejas e partidos cristãos foram críticos de sua vida amorosa durante a campanha, ao que Zuma deu de ombros: "Muitos políticos escondem suas amantes. Eu amo todas as minhas mulheres".
A poligamia é um costume arraigado na zona rural. Depois da distribuição de renda, nada ilustra melhor o golfo entre as duas metades do país: uma mirando a Europa e os EUA, outra fiel às tradições africanas.
"Digo sem medo que 90% dos sul-africanos hoje são filhos da poligamia, praticada por algum de seus ancestrais", diz Kgosi Thobepane, coordenador do Congresso dos Líderes Tradicionais da África do Sul. "Somos os guardiães das nossas tradições. Ninguém tem o direito de nos dizer o que fazer."
Na África do Sul, a poligamia é legal, e parte do processo de negociação para uma Constituição que satisfizesse à gama de povos do país após o apartheid -de descendentes de colonizadores holandeses aos dos zulus que os combateram.
A Carta Magna afirma que "pessoas de uma comunidade cultural, religiosa ou linguística não podem ter negados seus direitos tradicionais". Isso abriu caminho para a aprovação de uma lei para a poligamia em 1998, o Ato de Reconhecimento do Casamento Tradicional.
Dois sistemas
Dois sistemas caminham lado a lado no país: o casamento civil, monogâmico, e o tradicional, poligâmico. Quem opta pelo poligâmico não se casa no civil e vice-versa. Não há limite de mulheres. Basta o marido notificar uma corte e detalhar a divisão dos bens após a morte.
Em tese, a lei diz que a primeira mulher deve estar de acordo, mas isso nunca é um problema para homens que querem se casar de novo. Também teoricamente, a mulher pode ter vários maridos, mas não se conhece nenhum caso.
"A posição da mulher fica fragilizada, e ela muitas vezes é obrigada a aceitar", diz Noluthando Ntlokwana, advogada ligada ao Centro Legal da Mulher, ONG que estuda o tema.
A praxe é o homem viver em sua cabana, cercada por casas para suas mulheres e respectivos filhos, e passar temporadas com cada uma.
Também é comum os casamentos acelerarem com a idade dos homens, caso de Zuma e do atual presidente, Kgalema Motlanthe, 60, que tem duas mulheres, uma de 24 anos. Quando sua vida amorosa foi revelada pela imprensa no início do ano, seu partido, o CNA (o mesmo de Zuma), protestou contra invasão de privacidade.
Nos últimos anos, a polêmica da poligamia esquentou em razão da epidemia de Aids. "Muitos homens em áreas urbanas usam o pretexto da poligamia para justificar terem várias amantes, quando na verdade estão apenas traindo suas mulheres e ajudando a espalhar a doença", diz Ntlokwana.
Texto da Folha de São Paulo, de 24 de abril de 2009.
Marcadores: África do Sul, eleições, Jacob Zuma, poligamia
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