segunda-feira, outubro 23, 2006

João Sayad: O Teatro da Política - Folha de São Paulo, 23/10/2006

A política como teatro



COMO PERSONAGEM , Lula faz o papel de operário-presidente, a vitória da democracia, um ícone do passado quando, apesar da desigualdade, havia grande mobilidade social no Brasil.
Alckmin, o antagonista, representa uma classe média que chegou um pouco antes que Lula, adquiriu modos urbanos e é vista, por isso, como mais próxima dos "donos do país".
Do ponto de vista programático, as diferenças são sutis. Como personagens dramáticos, são muito diferentes. Um personagem é demolidor de regras, pessoal, faz contato direto com o eleitor e agride a elegância sintática da oposição. O outro é determinado, organizado, racional e distante. Fala menos, representa com "naturalidade" apostando na credibilidade. No teatro, o "natural" parece menos real do que o expressivo e dramático.
A imprensa analisa peça e personagens em dois níveis. Num primeiro nível, reportagens e colunas indignadas tratam os candidatos como personagens -bandido e mocinho, vilão e herói. Cobram promessas não cumpridas, consistência e respostas ante questões de apelo popular. Comportam-se como espectadores de novelas capazes de agredir o ator na rua, confundindo-o com o personagem. Escrevem para o eleitor fanático que vive o drama como real.
Num segundo nível, colunas e blogs analisam ator e peça como obra de arte. Como o ator desempenhará papel tão difícil? Como se relacionará com a oposição? Como se relaciona com o próprio partido? Cortará gastos, reduzirá juros, o que fará com a Previdência? Fará novas privatizações? Reconhecem que o candidato-personagem está limitado à fala eleitoral que exclui qualquer maldade.
O presidente improvisa, não obedece as marcações do diretor nem o texto da peça. Alckmin segue o texto com rigor, mas deixa transparecer as discordâncias entre direção, os partidos de apoio, e o ator.
Nesse segundo nível, a imprensa age como a crítica teatral e dirige-se aos leitores ilustrados. É mais compreensiva e empática com os candidatos que no outro nível e, inclusive, mais humana com os políticos do que a verdadeira crítica teatral com os atores.
Personagens que atuam em contraposição são classificadas como Augusto ou Branco. Augusto é gozado, trapalhão,mas lidera a ação dramática. Branco é bonito e racional e tenta controlar as estripulias do augusto. Jerry Lewis é augusto, Dean Martin, branco. O Magro é augusto, o Gordo, branco. O presidente, mais gordo, faz o papel do Magro. O ex-governador, apesar de magro, atua como o Gordo. Quem terá a preferência da platéia?

jsayad@attglobal.net

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2310200606.htm