Eleições no Estado do Rio Grande do Sul - Marco Aurélio Weissheimer - Agência Carta Maior
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A derrota de Rigotto: a política odeia o vácuo
Mais uma vez, as pesquisas erraram feio. O candidato apontado como favorito em todas as pesquisas, o governador Germano Rigotto (PMDB), acabou ficando em terceiro lugar, atrás de Yeda Crusius (PSDB) e de Olívio Dutra (PT). A fragilidade política do discurso de Rigotto acabou cobrando um alto preço.
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior
Data: 02/10/2006
PORTO ALEGRE - O clima relativamente morno da campanha eleitoral deste ano, que só foi esquentar nos últimos dias da disputa, teve resultados surpreendentes e repletos de significados. O favoritismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para vencer a eleição no primeiro turno acabou atingido seriamente por dois episódios polêmicos: o caso do dossiê Vedoin-Serra com a divulgação das fotos do dinheiro que seria usado para a compra do mesmo e a ausência do presidente no debate da Rede Globo. A gigantesca exploração midiática destes dois episódios tirou o primeiro turno de Lula. O resultado final (Lula 48,6% x Alckmin 41,6% dos votos válidos) e o contexto no qual ele nasceu, indicam um clima de guerra para o segundo turno. Esse clima deverá marcar também as disputas regionais de segundo turno. O Rio Grande do Sul é um caso paradigmático. Yeda Crusius (PSDB) e Olívio Dutra (PT) travarão um combate fortemente marcado pelo cenário nacional.
O governador Germano Rigotto (PMDB), que liderou todas as pesquisas eleitorais desde o início da campanha acabou sendo vitimado por uma combinação de quatro fatores: a baixa aprovação de seu governo, uma auto-suficiência na campanha que beirou a arrogância, a fragilidade política de seu discurso que não tomou posição na disputa Lula-Alckmin no momento em que esta envolvia fortemente a opinião pública, e, por fim, uma operação desastrada, denunciada pelo próprio Rigotto em uma entrevista coletiva após a derrota, que visava tirar Olívio Dutra do segundo turno. O governador não entrou em detalhes sobre essa operação. Disse apenas que se manifestou contrário a ela 48 horas antes de ser executada, advertindo que poderia ser vítima de um efeito bumerangue, o que acabou acontecendo. Que estratégia seria essa? O que ocorreu de novo nos dois últimos dias de campanha foi a divulgação de duas pesquisas que apontavam um crescimento vertiginoso de Yeda.
A política odeia o vácuo
As pesquisas do Instituto Methodus-Revista Voto e do jornal Correio do Povo, divulgadas na quinta e sexta-feira, respectivamente, apontaram a disparada da candidata tucana que estaria empatada com Rigotto, deixando Olívio fora do segundo turno. Desde a sexta, lideranças peemedebistas no Estado, Rigotto entre elas, manifestavam preocupação com a possibilidade de uma migração de votos do governador para Yeda. Os aliados da candidata do PSDB falavam em varrer o PT do mapa político do Rio Grande do Sul. No final da tarde de sexta, o jornalista Políbio Braga, um dos mais enraivecidos anti-petistas do Estado, publicou uma nota em seu site onde dizia: “a ordem é humilhar o PT”. Esse era o espírito no final de semana entre os adversários do PT no Estado, muitos deles oriundos do governo de Antônio Britto. Não se tratava apenas de derrotar eleitoralmente o PT, mas sim de humilhar sua militância e seus dirigentes. Essa estratégia foi um desastre para Rigotto.
O que é curioso é que o governador deu a entender que tinha conhecimento dessa estratégia antes que ela fosse executada. Algo a ver com as pesquisas? Há uma suspeita no ar. Uma não. Várias. Outra delas é que a campanha de Yeda Crusius operou com uma dupla alternativa: se Olívio ficasse fora do segundo turno, ótimo; se o deslocamento de votos incentivado pelas pesquisas acabasse atingindo Rigotto, melhor ainda. No domingo à noite, no comitê de Rigotto, alguns peemedebistas falavam de traição. Clima de indignação geral e de perplexidade. O governador que liderou as pesquisas até ao fim teria sido alvo de uma operação desencadeada nos últimos dias de campanha? Talvez tenha sido mesmo, mas sua derrota não se explica fundamentalmente por aí. Rigotto sofreu uma derrota política: uma desaprovação de seu governo e uma desaprovação à sua recorrente postura de ficar em cima do muro. A política, como a natureza, odeia o vácuo.
Esqueceram de avisar o adversário
Outro defeito da estratégica denunciada por Rigotto foi esquecer de combinar com o adversário, no caso o PT. Advertida pelas pesquisas, a coordenação da campanha de Olívio Dutra reforçou o trabalho da militância no final de semana, especialmente nas regiões de periferia de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Um dos efeitos dessa mobilização foi a recuperação, por parte do PT, da maioria da capital. Olívio fez 31,62% dos votos em Porto Alegre, votos que foram fundamentais para sua vantagem sobre Rigotto. Essa recuperação tem outro aspecto que não é matemático. A mobilização do final de semana e a ida para o segundo turno restituíram confiança e ânimo à militância petista. Isso já pode ser visto na noite de domingo, quando os bares da República, tradicional reduto da esquerda na cidade, foram tomados por bandeiras vermelhas e muita animação. Há algum tempo que essa energia militante não era vista na cidade.
Durante o dia, especialmente nos bairros centrais de Porto Alegre, a militância da Frente Popular (composta por PT e PC do B) ouviu muitos desaforos nas ruas. “Mensalão” era o grito preferido de partidários de Yeda e Rigotto e,em alguns casos, de militantes do P-Sol e do PSTU. O Rio Grande do Sul foi um dos Estados onde os episódios da crise política atingiram mais duramente o PT e o Governo Lula. A expressiva vantagem de Alckmin no RS (51% contra 30% de Lula) é um claro indício do tamanho do estrago, vitaminado pelo crescimento político de setores conservadores, após as derrotas do PT na eleição estadual de 2002 e na eleição para a prefeitura de Porto Alegre em 2004. Neste sentido, Yeda larga em vantagem no segundo turno, pela associação com Alckmin. Mas não há uma transferência automática de votos. No domingo pela manhã, uma eleitora do bairro Bom Fim (região central da capital) confessa na fila de votação que votaria Alckmin e Olívio.
O saldo político da pacificação
Obviamente que a campanha de Olívio não poderá ficar esperando sentada a aparição de muitos votos “heterodoxos” como este. Como o primeiro turno mostrou mais uma vez, em disputas políticas o que costuma fazer diferença é a política mesmo. Quem acerta ganha. Quem erra perde. Que o diga o governador Germano Rigotto. Além de erros estratégicos na campanha, ele padeceu de um erro de avaliação política também. Na campanha de 2002, Rigotto venceu a disputa apresentando-se como uma terceira via entre os partidários do ex-governador Antônio Britto e o PT. Ele mascarou sua ligação com a experiência do governo Britto (PMDB), marcada pelas privatizações, e adotou um discurso de pacificador do Estado. Levou a eleição. Este ano, a campanha de Rigotto foi para as ruas sem um discurso político próprio, limitando-se a defender as realizações do seu governo. Enquanto isso, a sua volta, a política saltitava por todos os lados.
O que é mais irônico é que os dois projetos em relação aos quais Rigotto apresentou-se como uma terceira via, em 2002, irão disputar o segundo turno agora. Vários integrantes do primeiro escalão do governo Britto trabalham na campanha de Yeda. O vice da candidata tucana, Paulo Feijó (PFL), é um entusiasta das privatizações. Defende inclusive a privatização das escolas estaduais. A campanha de Olívio Dutra deverá bater forte nesta tecla. Os dois projetos que disputam a condução política do Estado há cerca de quinze anos voltam a se enfrentar agora de modo mais explícito. Seguindo a estratégia adotada por Rigotto, em 2002, e por José Fogaça (PPS), na eleição municipal de 2004, Yeda Crusius apresenta-se como representante de “um novo jeito de governar”. Mas desta vez será mais difícil ocultar suas idéias sobre concepção de Estado e de modelo econômico. Essa é a disputa política de fundo que marcará o segundo turno no Rio Grande do Sul.
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