A PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA
A PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA
Laerte Braga
O primeiro projeto de lei sobre o assunto, definindo regras e contendo um espectro político que permitia um amplo debate, foi do deputado carioca Adauto Lúcio Cardoso. Era da antiga UDN e um dos raros políticos naquele partido com caráter e preocupações para além do moralismo cínico que transformou o termo udenismo em sinônimo de hipocrisia. Udenismo hoje tem o nome PSDB, ou tucanismo.
O projeto de Adauto, aprovado e transformado em lei, permitiu de 1962 a 1974, que a propaganda eleitoral gratuita se caracterizasse como exercício de debate democrático, livre, sem censura e num importante aspecto privilegiou o debate regional. Essa história de propaganda unificada, num só horário, a entrada de marqueteiros, foi conseqüência dos limites impostos pela ditadura militar com a derrota eleitoral em 1974.
Atendeu aos seus interesses de amordaçar e impedir o debate e favoreceu às grandes redes de rádio e tevê.
O projeto de Adauto era simples. Os partidos dispunham de tempo nas emissoras de rádio e tevê, tempo distribuído pelos diretórios municipais, em horários diferentes e o uso era ao vivo. O candidato era credenciado, obedecido o critério de direitos iguais.
O mesmo peso para candidatos a deputado, a vereador, a prefeito, a governador, ou representantes do próprio partido. Não havia a exigência que só os candidatos usassem o horário. Os partidos podiam e frequentemente veiculavam programas. Era de baixo para cima e não como hoje, um marqueteiro político ditando comportamento para o Zé, candidato a vereador do bloco coisa e tal.
A história de retratinho e currículo veio com o general Geisel. Ao perceber que a ARENA perderia a maioria no Congresso nas eleições de 1978 criou o senador biônico, uma série de restrições e mudou o feitio da propaganda eleitoral gratuita.
Para se ter uma idéia de como esse projeto do deputado Adauto Lúcio Cardoso contribuiu para o início da derrocada da ditadura, em 1974 Saturnino Braga ganhou as eleições para o Senado no antigo Estado do Rio, só com televisão e em 15 dias. O candidato original do partido tinha falecido em plena campanha.
Marcos Freire, eleito senador pelo Estado de Pernambuco, foi votado em todo o Nordeste pelo simples fato que aparecia na tevê em toda a Região. Ao vivo, sem maquiagem, sem marqueteiro.
Quando era senador Mário Covas retirou o projeto da gaveta onde estava e reapresentou-o. Desnecessário dizer que nem seu partido apoiou. As grandes redes de tevê e rádio, as grandes agências de publicidade, voaram em cima e cortaram as intenções do senador.
A propaganda gratuita desde então é apenas um exercício de vender um determinado tipo de sabão em pó que lava mais branco, tira manchas e ainda passa automaticamente. A roupa sai limpinha.
José Maria de Alckimin, nada a ver com o que foi governador de São Paulo, costumava dizer que o que vale é a versão e não o fato.
Foi possível à parte da mídia fabricar um Collor como salvador da pátria. Foi possível transformar um vaidosocomo FHC em alguém sério e sinônimo de modernismo (o Brasil andou duzentos anos para trás, o JK às avessas). E é possível agora que os dois principais candidatos, Lula e Alckmin, façam discursos diferentes na forma, mas quase iguais no conteúdo.
É a farsa democrática se manifestando de forma total e absoluta.
O sujeito liga a tevê, ou o rádio e tem a sensação que vive noutro mundo.
O mundo do tudo é possível pela via do marketing. Até Severino Cavalcanti sair pelo seu Estado em campanha, se dizendo vítima de injustiça, de perseguições contra um nordestino pobre e lutador.
A propaganda gratuita não contribui em nada para o debate político. Exceção feita à senadora Heloisa Helena.
Um outro detalhe: o projeto do deputado Adauto Lúcio Cardoso assegurava um tempo mínimo de cinco minutos a cada partida e depois então traçava as normas para a chamada proporcionalidade. O peso de cada partido.
Foi por isso que quando Golbery do Couto e Silva falou em sístole e diástole, afirmando que ora fecha, obra abre, queria no duro dizer que nada muda, só o jeito de conduzir e segundo os interesses dos donos.
Neste momento é a tal democracia que atende aos interesses dos donos.
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